Parecia o anúncio de um grande espetáculo circense, mas não era. Um cordão composto por carros estampados com legendas, cores e rostos sorridentes. Como sorriem esses homens! A vida é bela, Benigni! Carros de som estrondam o cancioneiro da moda com paródias que superam o horror do mau gosto das canções originais de apenas um refrão e uma onomatopéia. Caminhões e caminhonetes densamente tripulados desfilam em um contínuo teste de paciência dos amortecedores. Pessoas indo a pé, compondo o cortejo, empunham bandeiras com cores uniformes, trajam camisetas impressas com os mesmos rostos sorridentes estampados nos carros e nas bandeiras.
O sol está ardente e a principal avenida da cidade repleta pelas gentes. Transeuntes atordoados e, ao mesmo tempo, curiosos, bem como costuma ser comum nos ermos mais pacatos em circunstâncias normais. O ir e vir de um lado a outro pelas calçadas do comércio do centro da cidade é constante.
A turba tumultuosa chama a atenção pelo alarido que impõe de modo imperioso. Um homem vinha pelo meio da rua transitando no nervo do séquito com os braços erguidos e gesticulando como um maestro regente de toda aquela balburdia insana. O adversário surgia a poucos metros e cumprindo o mesmo trajeto, com um tropel equivalente e algo progressivamente mais barulhento, efeito Doppler, talvez.
Embora se aproximassem bastante as turbas, não se encontrariam jamais. Feito água e óleo que seguem uma substância após a outra por meio de um estreito canal, seguiam-se e repeliam-se, propeliam-se e continham-se, porém, jamais mesclavam suas cores e representações.
Através daquela nefasta folia de candidatos a reis, os postulantes aos cargos públicos digladiavam pelo voto dos populares. Queriam com aquilo provar o merecimento da confiança das gentes e conquistar os acentos nas cobiçadas cadeiras que representam aquele mesmo povo que assisti a tudo com um misto de curiosidade, espanto, indiferença e aborrecimento.
Senhoras passam irritadas e queixosas do barulho inoportuno. Dentro dos estabelecimentos, atendentes e clientes reclamam da dificuldade de comunicação das transações de consumo. O vendedor da loja de calçados diz que aquilo é uma encheção de saco. Um senhor esfaimado pede uma esfirra e um guaraná, porém recebe uma coxinha e uma cerveja. A criança chora assustada e a mãe, irritada, chacoalha a pobre coitada ao invés de afagá-la.
Por outro lado, não obstante, a proposta é de um grande festejo, uma enorme farra democrática. É como se a administração pública brasileira só tivesse o que festejar e o eleitor motivos de sobra para votar cantando e saltitando em seus espetaculares candidatos da vez. Ora, se um pobre diabo entra dançando e cantando para votar, é evidente que será tomado por louco pelos que aguardam pela vez na fila. Porém as gentes que pedem o voto daqueles pobres eleitores nestes exatos e supracitados termos não respondem por loucas jamais e sempre podem recorrer das caluniosas denúncias de improbidade.
Se eu não tivesse já sido inteirado de que a terra é esférica, suspeitaria seriamente de que o mundo está de cabeça para baixo. O bom senso é falta de educação e rabugice. Refugio-me numa loja sob pretexto de comprar um short de corrida. O dono da loja é um velho conhecido meu. Nem bem o cumprimento e já ouço sua queixa do tumulto que passa diante seu estabelecimento. Ele diz que é incrível, mas a cada momento aquela gente eleva mais e mais o som a fim de impor-se mutuamente, e que o ouvido dele não é pinico, e que aquilo é, bem, deixa pra lá, quer saber quanto custa o short?
Deixo o centro, porém o carnaval segue manhã a fora. Enquanto me afasto, vejo gente conhecida e reconhecidamente desprovida de qualquer inclinação política e ou ideologia partidária empunhando uma bandeira a fim de complementar o ordenado. Já dentro do carro, penso que cada um faz o que pode e que o espetáculo não pode parar.
Que cena triste, né Jefh?!
ResponderExcluirSó o ridículo supera (impera?).
Ainda bem que, respeitando o princípio do voto secreto, eu não preciso escolher o...... da vez.
Abração
Jan
Impera, JAN. Ao menos penso assim. Todos são os candidatos da vez (eleições atuais), porém resta saber qual deles fará todo esse barulho e promoverá todos esses gastos nas ruas e depois ainda governará com probidade.
ExcluirÉ sempre a mesma ladainha.
ResponderExcluirMe pergunto por que é que nos prestamos a esse papel.