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AGDA E OS MENINOS SEM ROSTO

Não era toda noite que ela saia na noite com um traje com ares melancólicos como o qual ela escolheu para aquele encontro de amigos após a aula. Geralmente escolhia uma roupa leve, colorida e alegre, e levava alguns acessórios e a maquiagem dentro da bolsa para só depois da última aula ir ao banheiro arrumar-se. Estava cansada do dia de trabalho enfadonho e das pequenas tramas e intrigas de certa colega da empresa, uma com quem dividia a mesma sala. Enjoada do sacolejo do ônibus. Impressionada com meninos que se atiravam do piso alto de um restaurante para a rua como forma de fuga ou diversão. É claro que aquilo poderia dar errado, resultar em um pé quebrado, traumas na coluna, dores difusas, lesões articulares. “Eram uns meninos negros e de cabeça raspada, todos mal nutridos e não tinham mais que doze anos cada. Vi quando um se jogou após ser empurrado pelo qual certamente seria o líder e idealizador da farra. Em seguida, o suposto líder empurrava outro que ia meio desesperado, relutante, certamente contra vontade. Aquele encontrou meu olhar através da janela do ônibus que me transportava. Pude ver a aflição angustiosa em seus olhos, apesar dele parecer não ter um rosto definido, mas apenas a estampa de sua aflição em seus grandes olhos. O ônibus seguiu e os meninos ficaram entregues às suas próprias sortes.” Relatou Agda.

Naquela noite, todos haviam comparecido à aula para tratar os assuntos finais da comissão de formatura. A maioria havia caprichado na indumentária, ou se preferir, no visual, sabendo que as câmeras estariam apostas para o registro à posteridade, mas muito mais às redes sociais. Agda era a única visivelmente inclinada ao soturno, sombrio e já maquiada desde a primeira aula em tonalidades escuras. Combinaram o encontro no Bar da Constância, onde haveria música ao vivo, uma boa banda. Lá muitos foram com a intenção de se embebedar o quanto fosse possível. Agda permaneceu calada e introspectiva. Hora observava o tumulto de sons, vozes e movimentos, hora apenas sorvia uma tragada no vermute contemplando a taça.

Despediu-se dos amigos que esticariam pela madrugada e aceitou a carona de Bruna e Marcelo. A caminho de casa, notou que estava diante o restaurante pelo qual havia passado durante o dia de ônibus e avistado o menino de rosto desfocado. Foi quando um gato preto atravessou à frente do Pálio de modo repentino, inesperado. Bruna, que dirigia o veículo, tentou com um movimento brusco desviar do animal, porém chocou-se contra o poste á margem direita da rua. Os três amigos, devido ao impacto do choque, permaneceram por algum tempo desacordados. Agda foi a primeira a recobrar os sentidos. Notou que havia um menino de pé do lado de fora do carro observando os ocupantes. Estremeceu ao perceber que a face do menino era idêntica ao rosto do amigo Marcelo que estava desacordado no banco do carona. Pessoas se aproximaram do carro, acionavam o resgate, um ou dois carros que trafegavam por ali pararam. Agda já se comunicava com os curiosos, Bruna perguntava o que havia ocorrido. As amigas ficaram assustadas quando notaram que os curiosos dedicavam grandes exclamações ao observar o rosto do ocupante do banco do carona. Marcelo fora o único a se ferir. Não usava cinto no momento do acidente. Com o rosto o rapaz rasgou o para brisa e chocou-se contra o painel. Daquela noite em diante, infelizmente, Marcelo nunca mais veria seu rosto diante o espelho conforme fora registrado nas fotos do encontro da turma de faculdade.

Obs. Arte visual de Davi Santarosa.

Comentários

  1. Adorei o texto,um pouco triste, mas liiindo! Agora,cruzar com um gato preto ninguém merece! Olha so o preconceito que o gato preto sofre tadinho. Menos preconceito Jefh rsrsrs. Um abraço. Antonia

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  2. Aprova com carinho ta. Abraço

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  3. Olá, Jeferson!
    Parabéns pelo blog, vc tem o dom da palavra. Já pensou em escrever um livro?
    Se sim parabéns e se ainda não fez pense nesta possibilidade.
    Abraços,
    Re

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  4. Lindo, parabéns de uma sensibilidade extrema.

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  5. Pura Emoção Você, seu Blog e Suas Palavras! Parabéns. Abraços

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  6. Meu Deus, que texto mais incrível, surpreendente e emocionante. Amei <3

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  7. Compartilhado na página do meu blog no facebook

    http://www.facebook.com/blogdacadenobi?ref=tn_tnmn

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  8. Muito interessante sua forma de escrever. Parabéns pelo aniversário do blog. Abraços

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  9. Para nós do Bem Te Vi (www.bemtevibotucatu.blogspot.com) esses meninos sem rosto são o nosso dia a dia e alegria.Abs! Lindo texto

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  10. Texto maravilhoso! Estou te seguindo amiga, obrigada pela visita!!
    http://principecaioandre.blogspot.com.br/

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  11. Muito bom seu blog! Amei!!!
    Já estou seguindo!
    (Infelizmente não consegui colocar no meu blog para que as pessoas pudessem me seguir...Tentei, mas não consegui).

    Parabéns!!!
    Abraços!!!

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  12. VIM RETRIBUIR SUA VISITA AO MEU BLOG E CONHECER SEU TRABALHO AQUI-UM BOM TEXTO- DRAMÁTICO UM TANTO,REALISTA E PERSPICAZ...

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  13. Vim deixar-te um pouco de mim,já que deixou-me um pouco de você.
    Adorei seu blog de inicio pensei que fosse um escritor...
    A partir deste momento passo a ser seguidora,também gosto de escrever coisas reais ou algo que esta na mente e que almeja o coração.não sou muito boa nisso,afinal não sei expressar corretamente.mas visite meu outro blog:http://petalasroubadas.blogspot.com.br/

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  14. Olá Jeferson!
    Retribuindo a visita que fizeste no meu Café com Rosquinhas.
    Gostei muito do teu blog. Grandes histórias. Bem impactante essa, com o perdão do trocadilho. Hehe.
    Parabéns pelo aniver do blog.

    "D

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  15. Olá Jeferson!
    Parabéns pelo blog, gostei muito!
    Obrigada pela visita!
    Beijo!!!
    ateliepequeninaartes.com

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  16. Olá! Obrigada pela visita! O texto é excelente, parabéns!
    Até mais!
    http://amorporamigurumis.blogspot.com.br/

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  17. Uau, que intenso.
    Você escreve muito bem!

    beijo, beijo
    http://confesionesenpalabras.blogspot.com.br/

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  18. Olá Jeferson!
    Parabéns pelo blog, gostei muito!
    Obrigada pela visita!
    Volte Sempre!
    Beijos!
    http://rainhabeta.blogspot.com.br/

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  19. Retribuindo sua visita ao meu blog, que ainda é recem nascido...rs
    Adorei seu canto, virei mais vezes, esteja a vontade para estar lá no meu espaço também, será sempre bem vindo!!!
    Abraços e ótima semana

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  20. Oi Jefh, adorei o conto de Agda e os meninos sem rosto.
    Me senti lendo um conto de Jorge Luis BOrges, André Carneiro, o quase mistério no viés entre a realidade e o sonho.
    A imagem também especialmente significativa.

    Agradecida, deixo meu abraço.

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  21. Oi retribuindo a visita, adorei seu espaço gostei muito dos textos te visitarei mais vezes...Tenha uma otima noite.Há te adcionei no face rs.

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  22. e quem poderá dizer que não é a roupa que nos veste?! Retribuindo a visita.. Gostei muito dos textos. Abraços. Fabiana

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