Pular para o conteúdo principal

A PEQUENINA MESA DE ARMELAU

Armelau voltou ao trabalho numa quarta feira de céu nublado e com tempo chuvoso. Achou estranho e melhor não comentar, mas sua sala havia sido completamente modificada, sua mesa fora trocada e outras três foram introduzidas no local.

Ao fundo da sala, sobre a mesa de tamanho maior, colocaram os pertences de alguém que ele julgou não conhecer. Tratava-se de uma moça, uma moça com um largo sorriso de pérolas e olhos grandes, nariz longo e fino, cabelos escorridos e etc. Na extremidade oposta, em uma das duas mesas de tamanho médio, depositaram os pertences de outra pessoa estranha que sorria no porta retrato com o mar e montanhas por fundo da foto. Tratava-se de outra moça, uma de olhos negros e cabelos negros, lábios grossos e bochechas rotundas, nariz pequeno e etc. E na terceira mesa, uma também de tamanho médio, posicionada junto à parede lateral, além dos pertences, estava outro retrato de alguém estranho. Era o de um rapaz de pele morena, jovem, porém de cabelo falho, de rosto arredondado, aparentemente meio obeso, com olhos pequenos e óculos, boca pequena e etc.

Com tristeza, Armelau notou que a mesa mais acanhada, a qual era menor que uma carteira escolar, a de tampo pouco maior que a tampa de uma caixa de sapatos, do tampo do tamanho da tampa de uma caixa de camisa, sustentava, empilhados, todos os seus pertences e seu porta retrato; de frente para baixo, no alto da pilha de pastas e papéis.

Armelau sentiu sua laringe entrar em espasmo e seus olhos marejarem turvando sua visão da mesa e da sala. A grande esforço, conteve uma lágrima em sua pálpebra inferior direita. “Indelicadeza!”, ele pensou. Suspirou longamente, abandonou os braços flácidos pendendo ao longo das laterais do tórax e sorriu um riso de escárnio. Concluiu que aquilo nada mais era senão uma peça que lhe era pregada por seu inconsciente mandrião. Mais uma. Um sonho nefando. Uma brincadeira de mau gosto.

Decidiu seguir em frente até que despertasse e visse até onde aquele absurdo todo iria. Com enorme dificuldade, acomodou-se na estreita cadeira diante à minúscula mesa, e, depois de mal acomodado, não havia espaço para apoiar os braços; deixou-os caídos ao longo do corpo. Soprou um riso seco pelas narinas ao notar que por capricho a pequenina mesa ostentava duas caixinhas sob o tampo por gavetas. Eram duas minúsculas caixinhas de Pandora. De sua mesa, olhou em redor e lançou um sorriso sarcástico, bufou e abandonou sua postura curvando a coluna e baixando a cabeça em desalento.

No momento seguinte, ergueu os olhos e, discretamente, beliscou o próprio braço direito como forma de atestar seu estado onírico. Sentiu um gelo no abdome seguir à dor e suas mãos imediatamente suaram frio. Afinal, possivelmente não estava dormindo. Ouviu passos e vozes que se aproximavam pelo corredor e viu quando romperam três pessoas por sua sala adentro indo lhe oferecer mãos quentes em forma de cumprimentos. Viu que conhecia àquelas pessoas. Aceitou os cumprimentos com um rosto lívido e os respondia com movimentos labiais desprovidos de voz. Achou ter pedido licença e, com movimentos embaraçados e complicadíssimos, a grande custo, ergueu-se e desvencilhou-se da mesa e cadeira.

Atravessou o corredor e caminhou a passo lento e pesado até o banheiro. Entrou e fechou a porta. Ergueu a tampa e urinou na borda do vaso. Deu descarga e foi até o espelho sobre a pia. Molhou o rosto com as duas mãos, deu tapinhas em sua face, enxugou-a na áspera toalha de papel e encarou-se por um ou dois minutos.

Saiu do banheiro e foi até a copa tomar um café. Tomou dois, três, quatro e retornou para sua mesa.

Comentários

  1. Ai caramba! Xixi na borda? Foi isso!
    Armelau, vc é um menino malvado. Volta lá e limpa tudo ok?
    Se esforce mais um pouco,daí vc volta a ser notado e respeitado. Vc está do tamanho da sua mesa Armelau!

    abs

    ResponderExcluir
  2. A certas circuntancias que passamos que tiramos uma grande lição...neste caso ele percebeu que tem forças para seguir bem mais adiante, sem se importar com o que acontece ao seu redor...um dom que poucos possuem... Erguer a cabeça e engolir o choro.

    amei o post.
    beijoss

    ResponderExcluir
  3. Adorei o texto! Só esse "urinou na borda do vaso" que pegou mal... rs
    De resto, como disse a Janice, faz parte!
    Abraço!

    ResponderExcluir
  4. Olá Jeferson, vim retribuir sua visita e conhecer o seu espaço também. Você domina muito bem as palavras parabéns, isto é um dom..
    Abraços...

    ResponderExcluir
  5. Oi Jef O Armelau ta parecendo a barata do kafka muito sinistro. Mas não vim por ele mas pra te perguntar sobre a foto do texto. Foi instigante ver a foto dos bilros da praça da alfandega da minha Floripa. Vistos ao vivo são muito interessantes. Fiquei um tempo sem comentar por dois motivos primeiro o bebe que não dava muito espaço e depois fiquei sem teclado(Relaxada mesmo) mas continuo lendo ta. Um beijo grande da Eliane.

    ResponderExcluir
  6. Excelente conto, gostei muito, parabéns!! O blog é ótimo.
    Estou seguindo, siga o meu também http://tudodoslivros.blogspot.com.br/
    :D

    ResponderExcluir
  7. Armelau viu seu próprio mundo encolher... realidade ou pesadelo?
    O leitor decide?;-)))

    Abração
    Jan

    ResponderExcluir
  8. Cada um tem o tamanho que merece ter...
    Grata pela visita.
    Estou tendo problemas em seguir blogs ultimamente. Creio que preciso reformatar meu PC. Eu tento e da No Found Error 404, não sei porque. Já escrevi para o blogger e não obtive resposta. Se souber algo me avise, por favor!

    Um abraço
    Marineide

    ResponderExcluir
  9. Olá Jeferson, tudo bem? Vim retribuir sua visita e conhecer o seu espaço, lindo texto parabens!

    ResponderExcluir
  10. Adorei o texto. Fiquei com dó do Armelau, mas com vontade de saber o que aconteceu com ele. Texto muito interessante. Parabéns e sucesso sempre.

    ResponderExcluir
  11. BOM DIA, VIM RETRIBUIR A VISITA, ADOREI O TEXTO, COITADO DO ARMELAU.. MAS ACONTECE, QUEM NUNCA NEH RSRSRSR
    TALVEZ ELE SEMPRE SE SENTIU PEQUENO E INSIGNIFICANTE, MAS SÓ AGORA PERCEBEU :(

    T+

    LIH

    ResponderExcluir
  12. Passando aqui pra lhe desejar um Bom Dia!!
    Abraço!!
    Tamara Allgäuer de Melo.
    psicocafeunifor.blogspot.com
    cafecomgato.com
    cafecomlivro.com

    ResponderExcluir
  13. Olá Parabéns pelo Blog gostei! é de blogs assim que a internet precisa.

    ResponderExcluir
  14. Que louco!!!!!!!!!! Amei o texto e sempre darei um pulinho aqui. Bjos e boa semana!

    ResponderExcluir
  15. Olá, Jeferson!

    Retribuindo a sua visita, quero agradecê-lo pela ótima leitura e viagem que fiz ao ler seu conto. Detalhes físicos descritos sobre as pessoas nos retratos, o fato de conhecer os que entraram na sala,o fato de "achar estranho e melhor não comentar" a meu ver, foram uma descrição psicológica do protagonista. Tentar notar-se presente, permitindo-se urinar fora do vaso, algo que a "boa educação" não permite, assegura-o de que ele é vivo e presente, ou até mesmo ousado, mesmo tendo uma mesa e um espaço físicos inferiores aos dos outros. Gostei, parece Machado associado a Kafka, uma vez que não traz uma resposta, mas leva à reflexão! Parabéns!

    Mônica Lima Falsarella --Blog Crase sem Crise

    ResponderExcluir
  16. eu só quero dizer que gostei. e gostei muito. Armelau é quase um José.

    ResponderExcluir
  17. Olá, estou retribuindo sua visita.
    Fazia tempo que não postava e somente hoje vi seu recado! Obrigada! E belo texto!

    ResponderExcluir
  18. AINDA BEM QUE ARMELAU NÃO ABRIR AS CAIXINHAS DE PANDORA QUE ESTAVAM EM SUA MESA. COMPORTAMENTO DE HOMEM PRUDENTE E INTELIGENTE. A MANEIRA COMO SE COMPORTOU, VISITANDO O BANHEIRO, FAZENDO XIXI NA TAMPA DO VASO, E QUANDO OLHOU-SE NO ESPELHO, VIU O QUANTO SERIA IMPORTANTE MANTER-SE SENHOR DAS SUAS PRÓPRIAS VONTADES E NÃO NAS VONTADES ALHEIAS. AS MALDADES DO PRÓPRIO SER HUMANO. AFINAL , QUEM COLOCOU NA SUA MESA AS CAIXINHAS MALDOSAS?
    AGRADEÇO SUA VISITA. APAREÇA QUANDO QUISER. QUANTO AO TEXTO FOI APENAS UMA MANEIRA DE VER O LADO " MAL" DAS PESSOAS. ABRAÇOS .

    ResponderExcluir
  19. Retribuindo a visita, parabéns pelo blog!
    Boa quarta-feira!
    Fica com Deus!

    http://nannacunha.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
  20. Adorei...coitado do Armelau...rsrs. Como sempre me identifico com seus textos...já me encontrei assim algunas vezes completamente fora do meu espaço e igual ao Armelau tomei varios cafés antes de engolir e mijar na tampa...rsrs. Valeu Jeferson.

    ResponderExcluir
  21. Em tempo: Parabéns pelo aniversário do blog! Que seja sempre assim, cheio de lindas palavras!

    ResponderExcluir
  22. Olá Jeferson Cardoso...Tudo bem?

    Estou passando para retribuir sua bela visita!
    Parabéns pelo seu Blog!!!

    Tenha dias felizes *-*

    ResponderExcluir
  23. Bom dia Jefh, aos poucos vou desvendando os seus escritos.
    Parabéns pelo blog!
    Um abraço
    TecaEuzebio

    ResponderExcluir
  24. Ah, muito obrigada! E você escreve muito bem.
    http://casos-demulher.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  25. E quem disse que ele podia abrir a caixa de pandora? E quem disse que ele ocupava aquele espaço, como antes? Talvez ele precisasse aceitar novos espaços para ocupar. Mudanças. Coisas que nem sempre estão disponíveis as nossas vontades, mas a relidades inevitáveis.

    Aah, obrigada pela visita ao meu blog. Fiquei feliz!

    ResponderExcluir
  26. QUE LINDOOOOOO.... PUXA!!!! É MUITO EMOCIONANTE... PERFEITO....ADOREI SEU BLOG.... UM ESCRITOR MARAVILHOSO E É UMA HONRA SEGUI-LO!!!!OBRIGADA PELA VISITA... DEUS O ABENÇOE.....

    ResponderExcluir
  27. muito bom passar por aqui, excelente semana

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Comente. É isso que o autor espera de você, leitor.

Postagens mais visitadas deste blog

Cartas a Tás (20 de 60)

Ituverava, 30 de junho de 2009 Aqui estamos, Tás. Eu e essa simpatia que é Lucília Junqueira de Almeida Prado, autora de mais de 65 livros publicados, capaz de recitar poemas de sua autoria compostos com cantigas de roça, bem como poemas de Cora Coralina, feito uma menina sobre o palco. Estive novamente na feira do livro, engoli meu orgulho de vez e abracei a causa. Fui lá não para vingar-me, com críticas sobre o fabuloso evento, nutridas por minha derrota no prêmio Cora Coralina, mas sim, para divulgar a campanha Cartas a Tás, que agora ganhou um slogan; “Restitua a cidadania do menino encardido que ficou famoso e apátrida”. Tás, você é de Ituverava e Ituverava é sua, irmão. Espero que aprove, meu mestre, pois para servir nesta batalha tive que ser um bom perdedor. E não é bom perder, isso aprendemos nos primeiros anos de existência, acho até que já nascemos com este instinto, pois quando uma criança toma por força algum objeto que por ventura esteja em nossa posse, qual menino não se

O Verbo Blogar

O Blog, á nossa maneira, á maneira do blogueiro amador, blogueiro por amor, não dá dinheiro; mas dá prazer. Isso sim. Quando bem trabalhado dá muito prazer. Quando elaboramos uma postagem nos percorre os sentidos uma onda de alegria. Somos tomados por uma euforia pueril. Tornamo-nos escritores ou escritoras que “parem” seus filhos; tornamo-nos editores; ou produtores; ou mesmo jornalistas, ainda que não o sejamos; tornamo-nos poetas e poetisas; contistas e cronistas; romancistas; críticos até. Queremos compartilhar o quanto antes aquilo que criamos. Criar é uma parte deliciosa do “blogar”; e blogar é a expressão máxima da democratização literária – e os profissionais que não façam caretas, pois, se somarmos todos os leitores de blog que há por aí divididos fraternalmente entre os milhões de blogs espalhados pelo grande mundo virtual, teremos mais leitores que Dan Brown e muitos clássicos adormecidos sob muitos quilos de poeira. Postar é tudo de bom! Quando recebemos comentários o praze

O Cavaleiro Da Triste Figura

Há algum tempo que conheci um descendente do Cavaleiro da Triste Figura. Certamente que era da família dos Quesada ou Quijada; sem dúvida que o era; se rijo de compleição, naquele momento, como fora seu ancestral, eu duvido; porém, certo que era seco de carnes, enxuto de rosto e triste; e como era triste a figura daquele cavaleiro que conhecí! Parecia imensamente distante dos dias de andanças, de aventuras e de bravuras; se é que algum dia honrou a tradição do legado do tio da Mancha. Assemelhava-se a perfeita imagem que se possa configurar do fim. O homem contava mais de 80 anos por aquela ocasião. Era um tipo longilíneo, de braços, pernas e tórax compridos, tal qual me pareceu e ficou gravada das gravuras a figura do Cavaleiro da Triste Figura. Seu rosto longo, de tão retas e verticais as linhas, parecia ter sido esculpido em madeira, entalhado. Um nariz longo descendo do meio de uns olhos pequenos postos sob umas sobrancelhas caídas e ralas, dando aí o ar de grande tristeza que me c