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GENÉRICO

Certa manhã, a cidade vermelha amanheceu cinza. Genérico viu que a cidade estando cinza era diferente. Viu também que aquilo era bom. Além do quê, uma mudança de ambiente poderia produzir sutis alterações positivas em seu estado de humor, em seu ânimo. A rotina, por mais segura, por vezes o enfadava um tanto quanto. E mesmo pequenas mudanças, aparentemente irrelevantes na ordem do dia, poderiam ocasionar algo que os consultores chamam de fator motivacional extra. Contudo, não imaginava nem de longe que aquilo pudesse ser o prelúdio de uma manhã sombria.

Durante a semana, Genérico vendia movimentos naturais, buchas vegetais, especiarias em saches e filosofia empírica aplicada, além de uma gama imensa de outros produtos fornecidos de acordo com o gosto e necessidade específica revelada por cada cliente seu. Atendia e entregava em domicílio.

Não era um ramo lucrativo e nem prestigioso. Seu trabalho era, na verdade, quase filantrópico. Sem qualquer lucro, ganhava apenas para o sustento próprio e de sua família. Contudo os clientes juravam surtir grande efeito na qualidade de suas vidas o consumo do combo de incontáveis produtos e serviços que combinavam, por exemplo, aconselhamentos gerais e massagens de efeito peristáltico numa mesma sessão.

Nove horas e três minutos: Genérico, com a chave do carro, bate no portão de aço do número 71 à rua Guatemala duas ou três vezes. Quase sempre o suficiente para que fosse atendido, exceto nos dias em que dona Arlinda não queria ver ninguém e simplesmente não aparecia para abrir o portão.

Atenderia ao seu José Aristides, o seu Zé Ari. Frequentava o local havia um ano. Havia um vento frio e chuviscava continuamente. Seu Zé Ari o aguardava com os grandes olhos castanhos arregalados e giratórios do costume. Respondeu ao cumprimento de Genérico de pronto. Disse que estava tudo bem, graças a Deus!, e logo torceu o pescoço em direção a sua janela de aço da mesma cor crua do portão e ali fixou toda sua atenção. Parecia extremamente ocupado naquele momento. Alerta à conversa do novo vizinho supostamente paranaense. Hipótese alimentada pela fala cantada e muitos “ors” que ele pronunciava, além dos rumores correntes na vizinhança de que o sujeito seria um migrante de Curitiba, Cascavel ou Ponta Grossa, ou sei lá de qual canto do Paraná.

Seu Zé Ari apontou o longo e delgado dedo indicador da mão direita para a janela e sussurrou a ordem para que Genérico também escutasse os sons que vinham da casa ao lado. O suposto paranaense serrava algo. Parava. Ali do quintal, discutia com a mulher que, aparentemente, estaria em um plano mais afastado, recuado para o interior da casa. A mulher se explicava em um tom lamuriante, súplice, porém não era possível seu Zé Ari e Genérico compreenderem as palavras que ela dizia. Era de dar pena a voz chorosa da pobrezinha que pelo visto só queria desfrutar um pouco mais daquela manhã cinza e “chuviscosa” na cama. O suposto vizinho paranaense serrou mais um pouco, parou e começou a berrar com toda autoridade que alguém possa impingir no tom de voz. Algo absoluto e plenamente revestido da convicção de posse da razão. A mulher tentava chorosamente explicar-se, justificar-se do interior da casa, provavelmente ainda da alcova, mas a voz do homem era firme demais. Ele dizia que não via futuro naquilo. E repetia que não via mesmo futuro naquilo. Dizia em voz altiva, firme, sólida. Zé Ari olhava para Genérico, Genérico olhava para Zé Ari, ambos olhavam para a janela enquanto Genérico, levemente tenso, abria sua maleta de utensílios praticamente de alquimia e retirava lá de dentro um diapasão que utilizaria durante a sessão.

Obs. Este episódio terá continuidade nos próximos dias. Só não o postei inteiro para não cansar quem me lê agora. Temos muitas coisas a fazer, um blog não tem o direito de roubar mais do que cinco minutos de atenção, creio.

Comentários

  1. É sempre bom começar um trabalho, e pelo visto, este é ótimo! Continue assim, tio Jeferson!

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  2. Eii, tudo bem? Eu vou bem, então, eu tava um pouco abandonada do blog, e voltei com uma verdadeira postagem, voce poderia ler e dizer se gosta desse tipo? http://brendacurty.blogspot.com.br/2012/05/cultura-quebrando-o-preconceito-com.html

    Um beijo. :*

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  3. Muito justa a preocupação, apesar de estar curiosa para saber em que não haveria futuro...

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  4. Adorei o texto!
    Você escreve muito bem. Gosto dos detalhes.
    Mais uma vez obrigado pela visita em meu blog.

    Abraços!

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  5. Oi Jefh...Mais uma história daquelas que prende a atenção, heim!! Só não demore muito para postar a continuidade porque a gente fica curioso demais para saber o que vai acontecer ;)...Estou no aguardo.Um grande abraço!

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  6. Mais um texto sensacional! Parabéns, seus textos são incríveis ! Estou aguardando ansiosamente a continuação deste! Abraço.

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  7. BOM, SEU TEXTO ME FEZ TER SAUDADE DE RELER METAMORFOSE DE KAFKA E ÍLIADA DE HOMERO. SUAS PALAVRAS, SUA ESTRUTURA, SEU DESEMPENHO, SUA RIQUEZA VOCABULAR... ME DEIXA MAIS CONVENCIDA DE QUE EXISTEM ÓTIMOS ESCRITORES OU APRENDIZES ETERNOS DE ESCRITORES DE UM BOM GOSTO INCRÍVEL E DE TEXTOS QUE VALEM A PENA LER E ESPERAR A PARTE SEGUINTE!!! ADOREI!!!

    AFINAL, QUANDO VEM A SEGUNDA PARTE?KKKKKKK
    ABRAÇOS DE SUA FÃ
    CLESIA

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  8. Olá amigo Jefh, como vai você? Andei meio sumida, mas sempre que posso passo aqui e leio teus textos... Hoje com um tempinho para comentar! Que estória hem Jefh? Ou será história? Você sempre mistura a realidade e a fantasia, isso dá um toque de mistério, muito bom! Voltarei para ler a continuidade! Um grande abraço e sempre muita luz na tuda vida e de todos a quem amas...

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  9. Tenho que admitir, sou bem supostamente Paranaense.

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  10. Olá jefh
    Gostei do Genérico... mas nem precisa ser tão genérico:-)))))

    O que estará acontecendo na casa do vizinho????

    Abração Jan

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  11. Boa noite querido amigo Jefh!!!
    Estava com saudades...
    Sou a Beatriz do excluído blog: Bia Educação Infantil.
    Voltei a todo vapor mas com blog zerinho em folha. Por isso vim lhe convidar a me seguir.
    Que Deus lhe abençoe e te proteja sempre.
    Bjokas...da Bia!!!
    Meu novo blog é:
    http://pequenosgrandespensantes.blogspot.com.br/
    Voltarei para ler a continuação desta história. Como sempre vc faz eu vir dar pitacos nas suas escritas.
    (risos)

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  12. Olá amigo, vi seu comentário lá no blog e vim retribuir e te parabenizar pelo seu blog que é sensacional. Parabéns!!!

    Nunca deixe de me visitar ok?

    http://catequesecomcriancas.blogspot.com.br/

    Abraço Grande pra vc.

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  13. Oi Jeferson! está lindo teu conto e teu blog! Parabéns, estou seguindo e assim fico por dentro das novidades! Um abraço.

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  14. Ansiosaaaaaaa!!!

    =)))

    www.simonesoaresslz.com

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  15. Oi, legal esse episodio, mas queria ter visto o fim :D hehe, beijinhos

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  16. Gostei bastante do texto, com este ar reflexivo, parabéns! vou sempre te visitar.

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  17. já estou te seguindo, espero que me siga também.
    proaiseartedeeducar.blogspot.com

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  18. Fiquei curiosa... Valeu pela sugestão... voltarei para ler o proximo capitulo

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  19. Duas histórias, mais curtas ou mais longas, de cores diferentes, falando do mesmo assunto. Pra começo de prosa, seu texto é confortável e dinâmico, gosto disso, faz a gente entrar mais na história. Fiquei pensando nesse tal de genérico e, sei lá, encontrei ele no rosto de muitas pessoas que conheço. Vou aguardar os próximos passos dessa trama.. dia desses falei "a mesma coisa" sobre textos longos.. já tava deixando meus "possíveis leitores" com LER e isso fura qualquer marketing social... rsrsr =) Não vou te dizer "parabéns pelo blog".. sei que, assim como eu, fazes por amor.. posso dizer então..não pare. Tá muito bom.

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  20. Caro amigo Jefh, mais uma vez sinto-me honrada em receber sua visita no meu humilde blog, adorei . vc é uma pessoa senssivl e iluminada adorei essa postagem sua esta história é a cara do meu marido e na atual situação que ele está. abraços

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  21. Parabéns pelos belos textos e iniciativa!!! Sucesso!! Agradeço também a visita que nos fez!!! Abraços

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  22. Adorei seu comentario no acerte no look,e fiquei muito surpresa ao ver seu blog de lirterátura contemporanea.antes mesmo de fã da moda ou da arte eu sou fã da vida e vc fala dela como ninguém.meus parabéns...adorei seu blog me vizite mais vezes e podefazer pedidos de martérias....beijão brenna

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  23. Adorei! Vou esperar a continuação! Seu blog é legal demais "Meu Rei" (como diz baiano). Venha conhecer Salvador e comer um acarajé, um abará ... Obrigada pela sua visita no meu blog: http://www.lelia-dourado.blogspot.com
    Um abraço.

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  24. Oi Jeferson, quer me deixar curiosa é??
    Vc escreve muito bem, prende a gente, gostei muito!
    Obrigado pela visita no meu blog, adorei a frase que deixou pra mim.
    Abraços
    Janine (bloglaemcasa.blogspot.com)

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  25. Olá, Jeferson.

    Adorei o texto.. suas historias conseguem nos prender e cada detalhe aguça a nossa curiosidade, isso é muito bom... Ah, e o que será q estar acontecendo na casa do vizinho ??

    Abraços,

    ;]

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  26. Oi, td bem?? Amei teu post! <3
    Tenha um ótimo restinho de final de semana!
    Se cuida, bjão ;**

    (www.gabs-13.blogspot.com)

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  27. Oi Jefh,estava lendo "genérico",na sala dos professores e acredite,justo no trecho em que o cheiro de café pula o muro e invade o espaço,entra uma colega e abre a garrafa de café. O cheiro de café que estava sentindo, pulando do seu muro, chegou até mim,com a mesma intensidade e frescor.Amei seu texto,parabéns.

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  28. Parabéns Jeferson pelo seu blog !!!!! vc escreve muitíssimo bem.
    Vi que vc fez um visitinha no meu humilde blog.
    Obrigada pela visita, abrir há pouco tempo , com um propósito de preencher meus dias com músicas e poesias que gosto bastante.
    Faça vista grossa tá , só posto músicas românticas mesmo.
    Enfim , nem divulguei , mas estou notando que algumas pessoas estão acompanhando .
    Abraços, Moema

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  29. Olá Jéferson, que bom que gostou das minhas bonecas,
    artesanato é o meu passatempo favorito!!!

    Estou lendo seus textos, estou adorando,
    leitura é comigo mesmo!!!

    Parabéns pelo seu blog, é fantástico!!!

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  30. Parabéns pelos textos! Obrigada pela visita tão animadora e engraçada!
    Sucesso!
    Um Feliz Natal e um Ano Novo de paz, humildade, prosperidade!

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