Pular para o conteúdo principal

Cartas a Tás (58 de 60) "O Inicio"

Ituverava, 20 de outubro de 2009.
Sei que deve ter lhe causado estranheza saber que um conterrâneo, um Jefhcardoso, lhe renderia uma homenagem em 60 capítulos. Não pense que me escapa esta dosagem de esquisitice que há em uma obra tão inusitada. Até mesmo aqui em casa encontrei uma resistência inicial ao meu projeto. Déia que viu minha escrita pública nascer dizia: isso não é o seu estilo, ta “humorístico” demais. Tive que explicar por mais de dezena de vezes o propósito nobre de meu projeto.

Deve ter lhe causado espanto ainda maior o fato de ignorar eu ser um escritor em potencial. Sei que a língua pátria me é muitas vezes como um cavalo selvagem que salta, da coices e corre de meu alcance, mas não há cavalo indomável a quem esteja realmente disposto e razoavelmente munido de recursos físicos e cognitivos para tal intento.


Ao contrário de você que sempre se destacou na escrita e em tudo que envolvia comunicação eu era um menino quieto, um estudante modesto e muito tímido. Minhas redações não chegavam ao rodapé das tuas, mas eu tinha um segredo; se não era nas redações que eu dava vazão ao meu gosto pela escrita os diários eram meus fiéis confessores, ali eu me debruçava com alma e paixão. Não revelava isso a ninguém; nem a você, meu caro amigo. Diário, como todos bem sabem, não é lá objeto que um moleque de corridas na rua, de pés descalços no campão de terra, de brigas, carregue junto ao peito (riso). Mas era ali que eu exercitava uma escrita que aos 35 anos se tornou pública por uma fatalidade. Foi através de um texto muito comovido que escrevi na ocasião em que perdi um paciente muito querido, por mim e por todos que o conheciam, que minha escrita tornou-se publica em nossa cidade.
Meu texto fora imediatamente publicado em nossa linda Tribuna. Depois vieram outros textos, e outros. Passei a publicar no belo Progresso de nossa cidade, pois ali me deram um pouco mais de espaço para fazer “literatura”.



Decidi pelas razões que as cartas explicam lhe render uma homenagem.
Quando tomei conhecimento, através de uma pessoa que muito admiro, da existência de um livro chamado Cartas a Théo, de Vincent Van Gogh, imediatamente minha imaginação traquinas parafraseou: Cartas a Tás! Com acento agudo para que todos saibam que não é você, porém um personagem inspirado em nossa cidade, em seu sucesso, em tudo que leio e em coisas que vejo; e qualquer semelhança é mera coincidência.
Propus-me, como forma de desafio e exercício de escrita, a criação de 60 cartas. Iniciei com a de numero um, e veja no que resultou (riso).
Que graça teria fazer uma homenagem e não a apresentar?
Por isso lhe enviei uma mensagem a cada texto, amigo.

Comentários

  1. A riqueza da escrita é invejável, e o sentimento contido no texto é indescritível... Não sei se vc tem algum livro publicado, mas creio que deva começar o quanto antes! Espero um dia mto em breve folear algo composto por tão inspirado escritor... Desculpe-me se pareço repentino na admiração, mas é que hj li com afinco a essa obra e percebi que não poderia calar-me diante dela, mas dar vasão ao sentimento que de mim tomou conta! Parabéns pelo trabalho, e esse comentário (rimou rsrsrs) é pq vc disse que não comentam o blog... Abrassss, de seu amigo Tom Galego (Wellington Unimed)

    ResponderExcluir
  2. Obrigado, Wellington, muito obrigado! Creio que um comentário como este, tão lúcido e motivador, é o tipo de incentivo que todo aquele que se dispõe a compor uma obra ao público sente grande felicidade em receber. E quanto a um livro...Ah, um livro! Quem sabe?

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Comente. É isso que o autor espera de você, leitor.

Postagens mais visitadas deste blog

O Sr. e o Dr.

Ao ser levado à presença daquele Sr de seus maturados 84 anos, estava na verdade indo rever um bom pedaço de minha infância. Afinal, aquele homem de baixa estatura, tórax roliço e finas pernas de passarinho era figura muito frequente nas ruas mais movimentadas de minha terra, há uns 20 anos. Vestido com um jaleco branco sentava com boa postura em sua “motoquinha”, percorria toda cidade com seu jeito lépido. Mas agora ele se encontrava muitos anos à frente daqueles dias; e já não mais conservara sua autonomia para o “ir e vir” a toda parte. Pior ainda, naquele momento sofria com a recuperação de uma fratura no fêmur, ocorrida após uma queda dentro de sua própria casa. _Quão dura é a realidade do ancião que de andar dentro do próprio lar, pode quebrar-se ao chão, isso quando não se quebra de pé, sem mais nem menos, indo apenas posteriormente ao solo, ao que chamam de fratura espontânea. Mas retornemos ao nosso “continho”. Dia após dia, sessão após sessão, meu novo amigo ancião, recuperav...

É Primavera

Era uma manhã de setembro quando o velho Alincourt chegou diante do belo lago de minha cidade, estacou sobre um terreno baldio sito à margem direita, ergueu ao alto os dois braços com ambos os punhos cerrados e vibrou de modo indescritível. No punho esquerdo o velho trouxe uma porção de terra em pó, poeira formada por noventa dias de estiagem. Ao abrir aquela mão, os vigorosos ventos de setembro levaram consigo a terra, que se desprendia e esvaía pelos ares, formando uma fina nuvem de poeira vermelha a andar no ar. O céu tornara-se vermelho, assim como a própria terra do lugar. Da mesma mão desprenderam-se folhas secas. Incontáveis folhas em tonalidades marrons, beges, amarelas. Um enorme urubu, atraído por um odor propagado pelo vento, passou a oferecer uma sombra circular sobre a cabeça do velho. Após a primeira ave, vieram outras da mesma espécie. Em pouco tempo eram seis, vinte e duas, trinta e cinco, cinqüenta e uma, mais de cento e três. Os ventos anunciaram uma carcaça canina...

O Diário de Bronson (10 - O Chamado)

_Bronson, o tal Dr. Mendelson ligou para você. Disse para retornar o mais depressa possível. O que esse homem teria para falar de tão urgente? _Não sei, Frida. Na verdade nem imaginava que ele pudesse querer um dia falar comigo. _Você vai ligar? _Claro. Por que eu não ligaria? _Sei lá. É que você voltou tão pra baixo após a última consulta. _Não era uma consulta, era um aconselhamento; e isso não tem nada haver com os meus humores. _Ta bom. Esqueça. Não disse nada. ... _Alô! Dr. Mendelson? ... _Sim, Doutor. Eu posso. Já estou a caminho.... _Onde vai, Bronson? _Vou até a casa do Dr., me parece que sofreu um acidente e, fraturou a perna, precisa falar comigo. _Você agora virou enfermeiro? _Frida, por favor, não comece! _Desculpe, mas... Bronson! Bronson! Bronson havia partido ao encontro de Dr. Mendelson. Em dez minutos já estava diante da casa amarela com fachada de arquitetura mista (antiga/contemporânea). Apertou o interfone e desta vez não ouviu a fria voz de Crisostemo; ao invés des...