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O Barack Baleiro

O Barack Baleiro



Naquele dia acordei bem cedo, me preparei para sair, apanhei o esboço do livro que levaria para a editora na Avenida Paulista, desci até a portaria do prédio após pedir um táxi. Do Sumaré, que era onde eu estava, até a editora não seria um longo trajeto. O motorista já me aguardava na frente do edifício; deveria ser a sua primeira corrida naquele dia.
Entrei, cumprimentei e indiquei o percurso; ele disse-me que seria rápido pois o trânsito naquele horário ainda aquecia os motores.
Apenas concordei com um leve aceno de fronte.
O homem era um senhor de certa idade, gentil, deveria ser aposentado e trabalhar para complemento do orçamento; seu táxi era impecável, e ao entrar no veículo sentei-me e avistei o jornal do dia, que estava ali intacto.
O motorista percebeu que notei o exemplar, então me disse: _ Se o Sr quiser ler, fique a vontade, deixo ai para os clientes mesmo, mas dou uma olhada quando é possível.
Então peguei o jornal, e na manchete de capa vi uma foto do presidente americano recém eleito, era uma foto de quando ele era garoto; nela, trazia nas costas um saco imenso, ia cercado por senhoras negras, algo muito parecido com a imagem de qualquer quintal brasileiro.
O texto falava da posse, a imensa escalada que aquele cidadão afro-americano galgou até alcançar o topo da maior potência de nosso tempo, ficava por conta da foto, dispensava qualquer outro argumento.
Paramos no primeiro semáforo, a luz do dia começava a acender, havia poucos carros, porém pessoas já lotavam os pontos de ônibus aos bocejos; o motorista parou no sinaleiro, olho para o lado e um menino maltrapilho se aproxima com uns pacotes de balas em suas mãos, assustei e o motorista percebeu, disse-me então: _Vejo que o Sr não é daqui, mas não tenha medo, conheço o garoto faz muito tempo.
Ao que repliquei com certa surpresa: _Conhece?!
_Sim, pode olhar Dr, e não sinta medo, este garoto é figura local, compõe o cenário do sinaleiro, vive na marginal, com as balinhas ajuda a mãe a alimentar outros quatro irmãos pequenos, seu nome é Barack Baleiro.
Eu não disse nada, o motorista perguntou se tinha das macias, o garoto disse que naquele dia só tinha as durezas, mas que da outra ficaria devendo, mesmo assim meu chofer comprou um dos pequenos.
Seguimos caminho, mais alguns minutos e outro sinaleiro, vem outro garoto, este trazia bolinhas, vinha fazendo um numero de malabarismo. Nas proximidades dois adultos parecem supervisionar o pequeno, achei estranho, e como na vez anterior, tive um certo receio.
_O Sr Dr, não precisa ter medo, este menino vive também aqui na marginal, é cria do meio, joga suas bolinhas, ganha uma moedinha, é isso o dia inteiro, os adultos são seus pais, o colocaram nesta vida para garantir o sustento, sei que não é certo, mas aconteceu.
_Você o conhece também?!
_Sim Dr, esse é o Barack Malabarista, um artista do meio fio, um artista que começou cedo.
Andamos mais um pouco, deixamos a marginal, pegamos uma avenida que já tinha mais movimento, os raios do sol agora eram mais acesos, outra parada, outro sinaleiro, outro menino, esse já era o terceiro.
_Dr antes que o Sr se espante, já vou logo dizendo, conheço esse menino que vêm sorrindo e seu serviço oferecendo, esse é outro Barack Brasileiro, esse é flanelinha, vejo todos eles crescendo, as pessoas os olham com medo, mas eles estão acostumados, sabem que o motivo são os garotos perigosos que também estão por aí vivendo.
Comentei que era incrível como ele conhecia todos aqueles do caminho; ele sorriu e continuou dizendo: _Sim Dr, aqui não há quem eu não conheça, são mais de trinta anos nestas avenidas, vi as reformas na marginal, vi vários governos, eu vi muitas mudanças públicas e de empresas, mas a única coisa que não muda, são os malabaristas do sinaleiro, os baleiros da marginal, os flanelinhas e o nosso medo.

Ouvi a tudo como quem lê um tratado filosófico, usei toda minha atenção, e todos argumentos de minha alma para aprender o máximo com a aula do taxista, em seu caminho costumeiro. Ao chegarmos na Paulista, para mostrar que fui um aluno atento durante o percurso, eu exclamei.
_Impressionante como aqueles garotos, além de terem nome de presidente, também são extremamente parecidos com a foto da capa do seu jornal do dia!
_É Dr, o gene veio do mesmo continente, a diferença é que os nossos vieram nos navios negreiros e para ser brasileiro.
O carro parou em frente ao imponente prédio onde fica a editora; saltei, agradeci a corrida, e segui meu caminho não mais brasileiro, nem menos brasileiro; apenas entendendo que pode haver Baracks em todos sinaleiros.

Comentários

  1. Pena não terem eles todos o mesmo destino, as mesmas oportunidades do legítimo... :(
    Obrigada pela visita em meu blog. Vim retribuí-la. E creio que ganharás outras visitas. Gostei de te ler.

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  2. Para mim é algo novo, alguém que comuniquei através da rede, vir e visitar-me; é provar um gole de um mundo bem maior, de forma poética; é como se algo maravilhoso me desse um sorriso, é um amigo. Eu sou quem agradece a sua gentileza, e que se torne freqüente as tuas visitas, e que se cumpra, o que disse, sobre eu receber muitas visitas.
    Acabo de postar a poesia do abraço que faltava terminar algumas coisinhas, ainda esta meio suja de detalhes a arranjar, mas a ansiedade me levou a dar este passo, antes do arremate final. Espero que não repare nos erros de acentuação, e aprecie.
    Obrigado Mony!

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  3. Oi Jéfferson,
    Fiquei encantada ao conhecer o seu lado escritor.
    Parabéns! Um comentarista usou a palavra "envolvente" pra descrever o seu texto. Concordo com ele. As letras vão deslizando, nos atraindo, nos envolvendo, com gostinho de “quero mais”.
    Que o nosso amado Deus e Pai o abençoe e transborde o seu coração de boas palavras, dia após dia, consagrando ao Rei tudo o que compor (Sl 45.1).
    Abraços, Regina Helena

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  4. Regina, obrigado por sua visita, obrigado por suas belas palavras. É modéstia sua, que já possui livros públicados, chamar-me de dono de uma face de escritor. Na verdade tornei público um habito que tenho desde ás primeiras letras que me ensinaram, mas é bastante gratificante ver que lêem e comentam o que faço, e isso você bem sabe. Espero que visitar-me torne-se um habito, seu e de toda sua família. Muito obrigado, e abraço!

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  5. Adorei o texto!Consegui te imaginar no trajeto todo e não consegui parar de ler até a sua descida do táxi.Fiquei até em dúvida se você veio para cá sem me avisar!rsrsrs
    Beijão

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  6. Obrigado Lilian! Mas não estive aí. Que bom que gostou de mais um texto meu. Um elogio seu, muito me motiva.

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  7. Boa noite amigo Jefh! Interessante hoje é o dia de "Barack! Pela manhã ao abrir meus e-mails, recebi uma mensagem falando de "humildade" e com várias referências também ao "Barack", agora visitando tua casa virtual, onde sempre sou abraçada ao chegar...e saio levando bem mais.., escolho uma página e me vejo refletindo sobre os baracks baleiros, baracks malambaristas... irmãos nossos, filhos do mesmo Pai de amor e de justiça! Fico pensando: "diante deles, por eles, e com eles..."como estamos nos comportando? Linda mensagem, como sempre! Até breve "menino-homem" ou "homem-menino"...Abraços!

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  8. Essa gente dos comentários anteriores roubou meus comentários. Como voce não esteve na Editora? Claro que esteve... É assim, real, pensei que era eu mesmo... Envolvente? Incrível, delicioso, tem livro eu queroooo... Seus contos são engraçados e sérios, hilários às vezes, deliciosos sempre... Vou ler um por dia... Parabéns pelo empenho em dividir com a gente... Adorei...
    Henriette

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  9. Um excelente e poético texto.

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  10. Lindo texto! Impressionante como vc nos envolve com sua escrita, tão bem descrita!

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