Ao ver a multidão que se aglomerava diante à porta do apartamento do cantor, na Rua Moerás, Pinheiros, zona oeste de São Paulo, em um condomínio de classe média, em horário que muitos saíam para o trabalho, estudantes para a escola, a mãe do menino de doze anos do bloco verde disse a ele: “Corra, vá ver o que acontece e volte aqui pra me falar.” O menino voltou arrasado: “Tanta gente chata, e foi morrer justo o roqueiro do prédio!” disse o garoto que tanto se gabava aos amigos por ter o ídolo por vizinho. “Morrer não combinava com ele.”, completou o jovem de si pra si. E fato é que naquela manhã ninguém esperava que alguém tão vivo como ele ficasse assim, tão morto de repente. E sabe aquela história de que pra morrer basta estar vivo?, receio ser verdade.
Descobri o fato ao ler a matéria do site do Estadão que tratava o caso. Descobri tomando uma xícara de café e comendo torrada com geléia de amoras silvestres que colhi nos prados do entorno de minha cidade no último final de semana: "Ele tinha marcado com o motorista de pegá-lo ao meio-dia de ontem. O motorista foi ao prédio e não conseguiu falar com ele. Depois, voltou à noite e novamente não conseguiu contato. Por conta disso, hoje (quarta-feira) pela madrugada decidiram entrar no apartamento para ver o que tinha acontecido", dizia o trecho da matéria.
Entraram no apartamento e encontraram-no morto a um canto próximo à bancada da pia atulhada de restos de alimentos, embalagens e pratos e copos sujos. Estava de bruços com o rosto inerte colado ao chão frio e embaçado por gordura velha e impregnado por um muito suspeito pó branco. O cheiro de mofo competia com o cheiro de cadáver. Um apartamento imundo, bagunçado, em desordem, deteriorado. Ele próprio, o homem, o cantor, estava um tanto quanto deteriorado. A decomposição não tinha pressa, contudo ia lenta fazendo o seu trabalho de modo ininterrupto.
A polícia insinuou com proposital evidente dissimulação e certa naturalidade artificial de policial haver indícios de luta corporal, porém nada que apontasse a presença de outra pessoa física no local. Na suposta hora prévia ao embate entre o cantor e a morte, o zelador disse que sentiu um frio repentino percorrer-lhe toda a espinha, algo como um presságio. Disse que se benzeu três vezes, conforme aprendeu com sua avó materna quando menino no interior do estado de Pernambuco; e teria ficado nisso mesmo, não fosse o caso dele dizer que também sentiu pelo resto da noite uma opressão no peito, uma coisa ruim, uma agonia, uma angústia, algo inexplicável. O policial quis saber a que horas exatamente foi isso; não a angustia que acabara de relatar, mas o frio que percorreu a espinha do zelador no relato anterior. E o serviçal disse que teve o capricho de olhar no relógio da parede que fica atrás de si em sua mesa na cabine, e que foi à meia noite. O policial fez cara de que achou estranho ou suspeito, não se sabe muito bem o que o policial quis demonstrar com aquela cara indescritível. O zelador foi dispensado por um momento.
Ali mesmo, os técnicos começaram a examinar as imagens da câmera do circuito interno de segurança para ver se alguém ou mesmo a morte teria sido captada no momento em que passou para ir ao apartamento do músico. O solitário, em sua agonia, teria lutado para não ser arrastado pela velha senhora fria. Lesões nos pés e na face esquerda do cantor são indícios de que é provável que tenha trocado chutes e socos com ela, e talvez tenha tentado mordê-la na mão para que deixasse cair a foice, mas de qualquer forma, tudo que tenha feito fora em vão.
Os solitários têm a mania de morrer e deixar no ar um algo misterioso, uma aura sombria. São solitários até mesmo em sua última hora, a da partida. Não há testemunha dos últimos momentos de um legítimo solitário pleno de sua vontade, independência e força física. Ele sucumbirá qualquer dia desses dentro do próprio apartamento imundo e deteriorado quando o traço de seu destino der o desfeche de sua solidão.
Não importa quanto sucesso ele tenha alcançado, quantos amigos possua; sim, eu disse amigos; e isso pode parecer contraditório dentro do texto que desenrolo, porém afirmo que não é; pois, o solitário, ele pode ter muitos amigos, uma legião, e, contudo nenhum que alcance sua alma, sua clausura espiritual. Muitos dirão que eram como irmãos, e aí lembraremos que nem todos os irmãos são próximos.
Ele afasta-se de todos, briga com muitos, passa meses sem falar com diversos convivas de outros dias. Rompe laços e pontes que pareciam indestrutíveis, vai ao fundo do poço, de onde Terron disse que se vê a lua, mas não vê a lua coisa alguma como disse o escritor, vê sim as trevas e o dissabor.
"A morte entra sorrateira por qualquer fresta, agarra o solitário em meio à sua solidão e faz o serviço, e os policiais é que ficam com a parte difícil, a de explicar que a solidão foi a mandante do crime executado pela morte." Disse o policial.
Verdade , acho que a morte sempre foi sorrateira.
ResponderExcluirSolidão , Tristeza , angustia , lágrimas , dor , desespero.
Não importa o quantos sorrisos você tenha , esses sentimentos sempre estão guardadinhos no baú dentro de nós. e dependendo de quanto tempo esteja , um dia saem. E ai que a morte vê seu espaço aberto. Temos que ser forte , amar sem medo , sorrir sem vergonha , gritar de felicidade.
Mover-se para lugares de bondade , de harmonia. estar em paz com nós mesmo !
Adorei o texto Parabéns!!
ResponderExcluirCorremos o risco da banalização quando uma notícia assim é explorada exaustivamente. Mas o seu texto diferente da maioria dos que tenho lido desde ontem, é leve e poético uma doçura de ler. Gostei muito!
ResponderExcluirTexto corretamente escrito. Passe lá no datilografe.blogspot.com.br. Falei menos, mas o suficiente. Pelo menos, acho. Respeitoso abraço!
ResponderExcluirUma crônica cortante, em tom de romance de suspense. Mas não é a vida um romance de suspense? Qualquer outro adjetivo - ótimo, excelente, maravilhoso - não caberia aqui. Minha admiração.
ResponderExcluirLinda essa história! Chorão além de cantor era poeta de uma geração! Agora somente saudades <3 :(
ResponderExcluirOlá, tudo bem?
ResponderExcluirO blog Colecionando Livros está sorteando os 4 primeiros livros da série Diários do Vampiro.
Passa lá e participa!!!
http://colecionando-livros.blogspot.com.br/2013/01/promocao-sorteio-de-4-livros-serie.html
bjoos
Olá!
ResponderExcluirAssistí a última apresentação dele no programa da Xuxa. Ví em seu rosto uma tristeza que não combinava com ele e pensei:droga! Ela vai acabar com ele!uma pena...
abs.
Solitário entre a realidade e a sua triste ficção, disfarçada tão bem em letras e músicas firmes e doces. Uma pena!
ResponderExcluirMuito triste, respeito tudo isso, mas eu não era fã. Aliás, nem conhecia o Chorão. Fui saber quem era depois da tragégia...
ResponderExcluirMas é uma perda, né? :/
Seus textos são muito lindos. tocantes. Gosto muito de lê-los.
ResponderExcluirMuito bem escrito, Jeferson! A verdade é que, infelizmente, algumas vezes, usamos máscaras ou diferentes facetas de felicidade quando estamos sós ou tristes. O ser humano sobrevive em sociedade, mas não somos capazes de nos mostrarmos ou expormo-nos diante de familiares e amigos, muitas vezes, o que dirá pedirmos ajuda...
ResponderExcluirParabéns pelo blog, Jeferson! Textos bastante claros e profundos. Muito bom poder sentir o que se lê!
Adorei a "reflexão"... muito bom.
ResponderExcluirParabéns
Boa semana
frescurasdemulherzinha.blogspot.com
Nossa, este texto foi lindo. Parabéns pelas palavras que tocam o coração de seus leitores.
ResponderExcluirOi Jerf... quando vejo essas repetições em série sobre o fim trágico de famosos que cantavam a vida, a alegria ,frases de auto estima...me pergunto sempre por que a fala tantas vezes não combina com o sentir , aquele que corrói fundo e silenciosamente mata.Chorão um inquieto sensível que mesmo agonizante no seus abismos ,ainda conseguia cantar.Paradoxo e inquietante verdade.
ResponderExcluirparabéns pelo texto
barção
Ótimo texto, é uma pena que tenha ido!
ResponderExcluirbeijos
Fiquei muito comovida pela morte dele :( um ótimo cantor, que tinha uma carreira inteira pela frente...
ResponderExcluirAdorei seu texto!!!As crianças possuem um olhar único sobre os momentos da vida.Como professora senti meus alunos desolados, discutimos o fato em sala e lendo seu post, acho que vou retomar o tema...
ResponderExcluirAdorei o texto parabens!
ResponderExcluirBom texto, ouvia as musicas dele desde que me entendo por gente, mesmo que o meu gosto musical tenha mudado, não deixei de ouvir as musicas dele e nunca deixei de admira-lo. :)
ResponderExcluirChorão sabia fazer musica, e falta mutos "Chorões" no Brasil.
www.mixturinha.com
Parabéns! Gostei bastante do texto!
ResponderExcluir:)
A morte entra mesmo, sorrateira sem darmos conta, Jefh Cardoso.
ResponderExcluirGrata pela visita e gentil comentário!
Nunca deixe de sonhar nem de escrever!
Beijinhos,
Jessica Neves
Emocionante, sem dúvidas a morte é sorrateira. "A morte entra sorrateira por qualquer fresta, agarra o solitário em meio à sua solidão e faz o serviço, e os policiais é que ficam com a parte difícil, a de explicar que a solidão foi a mandante do crime executado pela morte."
ResponderExcluirele marcou a minha infacia,eu nasci já com o chorão no meu ovido pois o meu pai adora o chorão. então eu cresci com ele.
ResponderExcluirChorão vai deixar saudades.
"Historias nossas historias, dia de luta, dia de gloria"
Triste. Pena que apesar das letras legais, não era um exemplo para os jovens. Isso quase ninguém fala! Abraços
ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirFiquei bem triste ao saber da morte deste grande poeta urbano.
Parabéns pelo excelente texto!
Obrigada pela visita.
Abraço.
http://luahmelo.blogspot.com
mais um crime não resolvido. rsrs
ResponderExcluirabç, jeff
OI, Jeferson! Gostei muito do teu texto, viu? Você escreve MUITO bem. Não sei a tua profissão, mas você daria um excelente jornalista! Ou até um poeta! Percebi um tom poético no teu texto! Parabéns! Abraço!
ResponderExcluirParabéns pelo texto que retrata uma coisa que muitos não acreditam existir, a solidão, depressão. Essas sim não escolhem nome, cor ou classe social.
ResponderExcluirEterno Chorão!
Abs!
Parabéns, o texto acima foi muito bem escrito! Obrigada pela visita. Seu blog com certeza já está entre os meus favoritos!
ResponderExcluirAbraço Jeferson!
www.eusereieu.blogspot.com.br :)
Oii
ResponderExcluirGostei muito do seu texto. Você escreve muito bem.
Eu fiquei bem triste pela morte do Chorão.
Não posso dizer que era realmente uma fã, mas gostava muito de suas músicas e ouvia bastante.
Suas músicas eram poesias. Tinham as capacidades de nos tocar.
Com certeza, Chorão será eterno!
Abraços,
Tífany - http://osamantesdaleitura.blogspot.com
Adorei seu blog Jeferson! Vc escreve tao bem, pensei que fosse professor de filosofia! Na minha opinião o caso do Chorão já é a dependência química. Não conseguir se livrar do vício só poderia acabar de forma drástica. Fica as musicas.
ResponderExcluirOi Jeferson!
ResponderExcluirLindo texto. Parabéns!
Abraços!