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Mostrando postagens de fevereiro, 2011

HÓSTIA SAGRADA E ÁGUA BENTA

O fato é que o homem estava cada vez mais prostrado. Já não reagia à presença de quem quer que fosse. Decidiram que o melhor seria chamar um padre para que lhe ministrasse a eucaristia e, quem sabe, assim por acaso, a extrema unção divina. O padre veio de boa vontade. Dona Elvira fez questão de recebê-lo pessoalmente à porta, contrariando as recomendações de Cleuza. Ao ver o padre Bento, dona Elvira encheu-se de alegria. Tornou-se radiante. Beijou-lhe a mão, agradeceu por diversas vezes seguidas a prontidão com que ele atendeu ao seu chamado. Fez com que ele se sentasse à mesa para desfrutar um café como há muito não era servido naquela casa, e proferiu as mais variadas ordens à Cleuza, que não ficou parada por um segundo sequer durante a hora e meia que durou a visita. Cleuza, vendo que Dona Elvira não finalizava nenhum assunto que iniciava, tratou de interromper a patroa perguntando se ela queria que vestisse seu Honório também com a parte de cima do pijama; caso o padre quises

DOIS COPOS COM ÁGUAS

_Ele hoje não quis comer nada. Ele só come comigo, sabe? Não aceita que mais ninguém lhe dê alimento, seja liquido ou sólido. Ela disse isso de pé ao lado da cama do doente. Fazia três meses que ela estava encarregada do enfermo e dos cuidados da casa. Entrava às sete e ia embora às dezessete; tinha duas horas de almoço. Ela gostava de olhar para o enfermo com ar de piedade e exclamar: _Coitado! E completava com outra de suas frases prontas preferidas: _É duro o fim da vida da gente! O homem não dizia nada. Estava consciente, porém reservava as suas falas para reagir com alegria, caso chegasse alguém muito querido e estimado, ou mesmo zangar-se, em caso de algo lhe contrariar; como ocorreu na ocasião em que Cleuza lhe derramou água na blusa de seu pijama enquanto o servia no leito. Disse ele, com surpreendente firmeza na voz: _Não! Assim não uai! Cê tá mi moiando tudo. Cleuza não podia ver qualquer pessoa que se aproximasse, e logo reiniciava seu discurso; ela dizia: _Coitado! E

MILK SHAKE DE MICOSE

Num dia extremamente quente, caminhando pelas ruas do centro de uma grande cidade, gentes de todas as formas e humores passam rente. O chinês atende rápido mais um cliente, sai mais um pastel provavelmente quente. A loja de eletros e eletrônicos, com seus condicionadores de ar potentes, é um refúgio para as gentes que se sentem atordoadas pelo calor crescente. O homem na praça vende seu artesanato sórdido, exibe suas tranças rastafari, olha com desdém os “caretas” que passam, sejam alegres ou apressados. Uma sorveteria é um oásis num deserto onde os grãos de areia são cabeças de gente e os carros, os ventos. Entro. Quero um sorvete. Pela bagatela de dois reais, densos duzentos mililitros de sorvete com leite. Milk shake. Uma longa fila de sedentos por sorvete. Finalmente, chega a minha vez. Estendo a mão com a notinha. É hora de dizer a quê vim: _Pra “mim” um milk shake de sensação, por favor! (Mim Tarzan) Milk shake... Isso é sorvete batido com leite! “Mania de não usar a língua da ge

O GINÁSIO E O FUNDAMENTAL II

Voltando às aulas, digo, meus filhos voltando às aulas, vejo que as coisas não mudaram ao ponto de eu não conseguir traçar linhas comparativas destes tempos com os meus tempos de menino. Tudo muda, e as cabeças sempre, invariavelmente, ficam confusas diante das diferenças, no entanto na essência somos as mesmas crianças de outrora, tá ligado? Meu filho mais velho, que hoje está com quase onze anos, foi para a quinta série/sexto ano; o que equivale ao meu término de primário e ingresso ao ginásio; o que, a bem da verdade, dá na mesma. O moleque criou um pelos mais escuros sobre o lábio superior, sua voz, cada vez com mais freqüência, oscila em tons graves sobrepostos por tons agudos exagerados, e em seguida tudo retorna à normalidade. As aulas começaram. Eu fiz o que fazia nos anos anteriores: esperei o horário e fui para o portão encontrá-lo com um sorriso discreto e conduzi-lo até onde eu havia estacionado o carro. Até a quarta, tudo bem. Na quinta, ele estava meio calado. Na sexta, a

ÓCIO MAU SÓCIO

Penso que o ócio não seja um bom sócio nesta vida. Há quem preze e se dedique demasiadamente a fazer nada. Há quem se gabe por ter muito tempo para a ociosidade. Há quem almeje ter todo o tempo livre. No entanto, a ociosidade trás em si uma moléstia, que, a meu ver, é das mais graves - a falta de sentido. Conheci certa vez o caso de um homem chamado Fridolin, que por questões conjugais acabou por ambicionar mais tempo ocioso, a fim de dedicar-se a ocupações libertinas como meio de vingança. Pôs em risco não somente a sua relação conjugal como a própria pele. Enveredou por caminhos que poderiam perfeitamente ter encerrado sua carreira de médico, destruído sua bela família, e até mesmo ceifado sua vida. O ócio para aquele homem seria um veneno letal. Quem narrou à história de Fridolin foi o ex-médico e escritor vienense Arthur Schnitzler no livro “Breve Romance De Sonho”. Diz a lenda (Wikipédia) que entre os contemporâneos de Schnitzler figurou ninguém menos que Sigmund Freud. E que, em