Ali estava ele, onde e como sempre esteve nos últimos tempos. Seu quarto seu mundo. Nada além. A cama o colocava em posição de ter o ápice da cabeça apontado para a ampla janela, logo, ele ficava de costas para a janela, que dava vista para um bom trecho em declive da cidade: telhados, quintais, ruas, algumas lojas, construções, outros prédios menos altos, árvores, pedestres transeuntes, automóveis, bicicletas, tudo se afundava para além da vista de sua janela e submergia nas entranhas do asfalto.
Dentro de casa, as pessoas que chegavam até sua cama eram sempre as mesmas. Salvo um ou outro visitante errante que ali por ventura viesse ter de passagem, aproveitando a ocasião de alguma outra visita mais interessante. E ficava patente que as outras visitas a serem feitas eram sempre mais interessantes do que uma visita que por ventura se propusessem a fazer ao nosso herói, Bob/Rock/Blues.
Assim ele passava os dias. A cuidadora que o cuidava, a família que ia e vinha no atarefamento dos dias, um ou outro prestador de serviço que ali surgia por conta de uma necessidade da casa. O homem deixava sua casa apenas para internações, consultas e exames; sempre uma aventura essas ocasiões. O mundo agora não fora feito para ele. O mesmo mundo que o viu em tantas e variadas façanhas fora reduzido ao relato supracitado.
Para distrair-se do tédio do dia e administrar a insidiosa e insinuante loucura senil, restava apenas algum delírio, alguma confusão, alguma ordem e desordem, algum assunto do passado trazido à tona de modo equivocado, desastrado, alguma droga farmacológica, alguma dor, algum programa estúpido na televisão, algum barulho nos arredores... Sua cabeça já estava porosa e aerada como um queijo suíço.
E ocorreu que, em um dado momento, o zelador descobriu em Bob/Rock um meio para aliviar o próprio tédio. Dois entediados numa tarde vadia podem divertir-se mutuamente. O homem passou a visitar o apartamento de Bob/Rock com certa frequência. Embora fosse o zelador um homem maduro, um senhor de cabelos grisalhos e jeitão de avô, era ele, ao menos do ponto de vista dos puritanos e conservadores, péssima influência para Bob/Rock.
E sob influência do novo conviva nosso herói passou a dizer coisas que não dizia. Fazia uso frequente de palavras de baixo calão, insinuações indecorosas, e agressões sexuais verbais explícitas das mais variadas.
A cuidadora viu-se em maus lençóis. Perdeu a paz. Não sabia se compreendia ou repreendia o ancião octogenário. A coisa ia evoluindo e ninguém jamais suspeitou que a influência do zelador fosse a causa da mudança repentina de atitude do ancião, atribuíam tudo ao Alzheimer.
O zelador subia ao menos três vezes por semana ao andar de Bob/Rock/Blues para ter em seu apartamento sob os mais variados pretextos. Às vezes, na falta de um motivo plausível, ia mesmo apenas com a desculpa de perguntar se estava tudo bem e se não precisavam de algo. Pedia licença para ir ao quarto do ancião ver como ele estava, e lá estando, soprava idéias dignas de um discípulo do Marquês de Sade nos ouvidos do idoso.
Bob/Rock o recebia com um sorriso malicioso e o observava com atenção incomum para seus padrões. O homem perguntava como iam a esposa e a cuidadora. Bob/Rock limitava-se a dizer que bem. Então o homem perguntava se Bob/Rock estava pegando as duas ou apenas uma. Bob/Rock ria maliciosamente e um resquício de seus dias de glória machista fazia com que ele contasse alguma falsa vantagem ao devasso zelador. Dizia que sim, que estava pegando as duas, direto e reto, de todo jeito, quando, como e onde queria. Quando a bem da verdade havia mais de dez anos que Bob/Rock pegava no máximo um substantivo feminino pneumonia.
Mas com o tempo Bob/Rock começou a acreditar-se e sentir-se o garanhão do leito. As mulheres não podiam trocar-lhe uma fralda ou dar-lhe o banho em paz que logo vinha ele perguntar se elas estavam querendo aquilo, e por isso procuravam suas partes mais recônditas com tanto empenho. Era constrangedor e algo novo aquele estado de coisas. O homem sempre fora respeitador. A cuidadora, em suas entradas e saídas do prédio, acabava sem saber por alimentar o apetite galhofeiro do zelador pervertido. Ela contava ao amigo de Bob/Rock do quanto o ancião estava mudado, impossível e indecente. O zelador fingia lamentar para depois rir-se de dobrar-se em sua guarita.
A coisa estava mesmo insustentável. O ancião cada vez mais selvagem e agressivo. Numa tarde em que a esposa de Bob/Rock saiu para pagar algumas contas e deixou o ancião e a cuidadora a sós para realizarem a cada vez mais difícil tarefa do banho, a cuidadora pressentiu o desaforo vindouro. Tomou fôlego, posicionou e despiu o homem, que a todo instante ameaçava levantar-se, o que poderia causar um grave acidente. Ele teimava com o corpo inteiro, com os pés, as mãos, a cabeça. Não parava quieto. Já no banheiro, irou-se contra a cuidadora que sofria para mantê-lo sentado em baixo do chuveiro.
Após muita luta, a cuidadora o retirou de dentro do boxe na cadeira de banho ainda com algumas ilhas de espuma em partes variadas do corpo. No quarto, para passá-lo de volta à cama, foi outro acalorado embate. O homem achava que ela queria outras coisas, ela só queria terminar logo aquele trabalho, estava quase chorando. Após toda sorte de desaforos, Bob/Rock segurou a mulher pelos dois punhos e, com os olhos vidrados, apertando casa vez mais suas mãos na mulher, saiu-se com a seguinte frase: “Você quer que eu te faça um filho, é isso, sua bandida?”
A cuidadora não mais se aguentou. Do alto de seus setenta e dois anos disse: “Sim, quero muito um filho teu. Sempre quis. Não aguento mais esperar. Faça! Faça agora. Faça um filho em mim, seu Bob/Rock!” E desabotoou o vestido de cima a baixo. Despiu-se. Despiu-se também das peças íntimas e com visível dificuldade pela idade. Pôs-se completamente nua. Posicionou-se diante o ancião sentado na cadeira de banho ao lado da cama e colocou-se de modo a representar sua disposição a tudo. O homem ficou perplexo, atônito, cataléptico. A cuidadora lhe cobrava uma atitude de modo veemente.
Ficou ali naquela situação por alguns minutos. Seus seios fartos e adormecidos pendiam diante o homem boquiaberto. Suas muitas dobras concedidas pelo tempo ali estavam sem nenhum disfarce de ângulo ou postura. Nua em pelo.
A cuidadora aguardou o tempo que achou condizente com o montante dos desaforos que sofrera nos últimos meses. Satisfeita, posicionou o ancião no leito apoiando-o em suas próprias carnes flácidas expostas. Terminou de enxugá-lo e vestiu-lhe a fralda geriátrica, o pijama, e deixou-o só até a chegada de sua esposa. E tudo voltou ao normal. O ancião voltou a tratar as pessoas que lhe cuidavam com o devido respeito. O zelador cada vez o visitava menos, pois o ancião já não mais reagia com empolgação à sua presença. A cuidadora continuou com seus programas de tevê da tarde, seu crochê, seu celular. A esposa alegrou-se com o fim dos constrangimentos.
Feliz sabado!!!!
ResponderExcluirAbraço fraterno
Nicinha
Obrigado, Nicinha! Igual!
ExcluirOlá Jeferson!
ResponderExcluirRi um bocado mas, pensando bem...
Coitado do Bob/Rock!
Quanto à cuidadora, a estratégia dela foi genial!
;-)))))
Abração
Jan
[sorrio] Valeu, Jan! Abraço!
ExcluirAdorei a história. Lembrei de um filme, embora a temática seja mais diversa tbm tem um personagem e sua cuidadora e ambos são muito interessantes. O filme Medos privados em lugares públicos. Se puder dá um cofere :)
ExcluirProcurarei sim. Obrigado!
ExcluirEm primeiro lugar, Jefh, muito obrigado pelo elogio ao meu poema "O Suspiro de Eliot", postado no blog da Gabrieli.
ResponderExcluirEm segundo lugar, quero dizer que gostei bastante deste conto, mas "até que ocorreu o fato que abrandou os ânimos do ancião selvagem", por exemplo, o remete para o lado da crônica. É um conto: não se destina a moralizar, não está tratando de um acontecimento real cujo resultado é do conhecimento prévio do leitor. Então, deixa o leitor na expectativa do que vai acontecer: uma possibilidade que pode atá passar pela cabeça dele é a de que a cuidadora comece a satisfazer Bob/Rock, ou que ela, ao contrário, mate com raiva o coitado.
Abração do Paulo Seben
Olá, Paulo! Obrigado por sua atenção ao meu blog. Sim, é mesmo um conto e não tive a intenção de mesclar com uma crônica. Acredite, foi por desleixo que deixei correr solto o que correu. Não sei bem o motivo pelo qual o fiz, mas percebi no exato momento em que o fazia. Eu não quis fazer mistério, eu não quis fazer surpresa. Pode parecer absurdo, mas creio que eu quis estragar o gosto do leitor. Acho que não estou em um bom momento com minha escrita. Acho que estou brigado com ela. Aconteceu. Eu tinha muita vontade de escrever um Bob/Rock/Blues, um de meus personagens preferidos em minha ficção, mas o fiz em um momento não muito feliz. Talvez eu nem devesse dizer tudo isso, mas é que você deu vazão à necessidade de confessar o delito. Agora me sinto obrigado a fazer a mudança que negligenciei. Mas não sei. Talvez eu não faça. Talvez eu faça ainda pior e piore tudo. Honestamente, não sei "º~º"
ExcluirMuito interessante, a história prende a gente. Parabéns, seu blog é muito bacana :D
ResponderExcluirLegal! Obrigado, anônima [sorrio].
ExcluirAdorei Jeferson Parabéns!!
ResponderExcluirbeijos beijos
Obrigado, Thais! Beijos!
ExcluirEstou alegre por encontrar blogs como o seu, ao ler algumas coisas,
ResponderExcluirreparei que tem aqui um bom blog, feito com carinho,
Posso dizer que gostei do que li e desde já quero dar-lhe os parabéns,
decerto que virei aqui mais vezes.
Sou António Batalha.
Que lhe deseja muitas felicidade e saúde em toda a sua casa.
PS.Se desejar visite O Peregrino E Servo, e se o desejar
siga, mas só se gostar, eu vou retribuir seguindo também o seu.
lindo seu blog .como visitou meu estou lhe retribundo tenha uma boa semana
ResponderExcluirObrigado! Um beijo!
Excluirlindo parabens,tocou até na alma,vc é muito bom
ResponderExcluirrecomendaria meu blog por favor
ResponderExcluirQue bom que gostou, Annah! Recomendarei sim. Um beijo!
ExcluirOla Jeferson ,obrigada pela visita , espero que tenha gostado do meu Bloguinho, ainda falta muita coisa to iniciando, mas devagarinho eu vou chegando. Vim retribuir a visita e o apoio, e já estou seguindo seu blog, que dispença comentários, parabéns , pelo belo trabalho aqui. Abraço. (DiAngel)
ResponderExcluirAngélica, estou encantado. Obrigado por seu carinho e atenção. Boas blogagens, blogueira!
Excluir"Dois entediados numa tarde vadia podem divertir-se mutuamente."
ResponderExcluirAdorei essa frase e a história toda. Muito bem contada.Li de um folego só...
Beijo.
Que coisa boa! Fico muito feliz. Beijo e obrigado!
ExcluirOii Jeferson Cardoso, lembra do meu blog aparenciaemalta.blogspot.com? Você comentava ele às vezes.. dei uma pequena abandonada nele, mas continuo visitando os blogs seguidores e um deles é o seu! Afinal gosto muito dos seus textos e gostaria de lhe pedir um favor, isso se for possível atendê-lo!
ResponderExcluirMaldito Alzheimer! Ataca assim vestido de porteiro e tudo
ResponderExcluirmais! Gostei da postura da cuidadora, tão afetada quanto!
Uma leitura agradável ....
bj!
Belas palavras, parabéns!!
ResponderExcluirbeijo
Passando para deixar meus votos de lindas FESTA com muita PAZ SAÚDE e HARMONIA.
ResponderExcluirQue tudo corra bem e que o VERDADEIRO espírito de FIM DE ANO acompanhe seus passos...
Grande ABRAÇO