Naquele horário da manhã, o sol, que incide sobre toda a cidade, naquele pequeno trecho de rua pavimentada com paralelepípedos enegrecidos, não incide. Permanecem a sombra e a umidade do orvalho da madrugada enquanto tudo em redor é incendiado pelos vigorosos raios do astro rei que rege o dia.
Inclusive o pequeno sobrado de paredes brancas e desbotadas que deixam à mostra trechos de areia vermelha do reboco de outros tempos da construção civil local fica claro como se tivesse luz própria.
O interfone soa somente ao final do período de pressão sobre a tecla. A porta corrediça range sobre o trilho seco. Há dificuldade para abrir o trinco do portão fora de esquadro que força continuamente para baixo as dobradiças pelas quais está atado, e somente após algum esforço a jovem cuidadora consegue abri-lo para que entre o mágico.
Seu Alio está de olhos abertos prontos para acolher a imagem do visitante que rompe pelo portal da copa. Estende a mão para cumprimentá-lo e, após o aperto de mão, repousa novamente a mão sobre o abdome como em sinal de espera pelo número que trará o mágico.
Pipo, o mágico, pede licença a cuidadora para ocupar parte da mesa redonda ao centro do grande cômodo e, em seguida, retira a própria capa preta para forrá-la. Ali começa a depositar diversas caixinhas que retira dos bolsos da casaca, do colete e das calças. Enquanto ajeitava as caixas de acordo com sua intenção para o espetáculo, ouvia o que dizia a cuidadora novata de forma risonha e descuidada.
‘Descobri o motivo deles terem mandado a Lenalva embora. Ela estava trazendo homem aqui. Foi o seu Alio quem achou um jeito de delatar. O senhor sabe que ele praticamente não fala, né? Mas um dia, estando o filho, a nora e mais algumas pessoas aqui, ele começou a mostrar aquele canto ali da pia com o dedinho apontado e dizendo “homi”, “homi”, “homi”. Em seguida, ele começou a apontar pra aquela cadeira ali e pra um prato que tava encima da mesa e repetir “homi”, “homi”, “homi”. E por fim, ele apontava pra sala e dizia “homi”, “homi”, “homi”.’
O mágico Pipo ouvia a história com atenção dividida entre a narrativa e a preparação para seu número, porém não sem surpresa evidente. Olhava para a cuidadora contadora com interesse o suficiente para incentivar a continuidade do relato. E a novata seguiu.
‘O pessoal desconfiou, né. Aí o filho dele, o Milésio, começou a dar uma espreitada pra ver se pegava alguma coisa. Não deu outra! Quando foi um dia, ali pelo meio da tarde, ele viu quando um sujeito magro e amarrotado se despedia da Lenalva lá no portão dos fundos, um que dá pra rua lá de trás; não sei se o senhor já viu. Então, ele viu, desceu do carro depressa e se aproximou dos dois que ficaram muito sem gracinha. Eles estavam cheirando a whisky. Depois, foram ver as bebidas do velho, estavam as garrafas cheias de água e chá. E o homem tava segurando uma sacolinha de supermercado; decerto ia levando alguma carne aqui da casa. Tudo que comprava, nada dava; aí que foram descobrir o motivo da Lenalva viver pedindo pra comprar mais carne.’
O mágico ouviu toda a narrativa, sorriu discretamente, anunciou que começaria o espetáculo e, uma a uma, foi desvendando diante dos olhos do cliente o mistério que havia no interior de cada caixa. De uma retirou um lenço azul, de outra um verde, de outra um vermelho. E assim, numa sucessão de cores, retirou mais de dez lenços das pequenas caixas correspondentes. Diante o olhar indiferente de seu Alio, começou a recolher os lenços nas caixas e as caixas nos bolsos. Despediu-se e partiu para retornar na semana seguinte com outro truque.
Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirQue sua semana seja de Sucesso, deixo um abraço fraternal
Nicinha
Tudo sombrio... não só o endereço onde se viu um show de mágica a domicílio.
ResponderExcluirMuito bem escrito e descrito.
Abração
Jan
Gostei demais!
ResponderExcluirAdorei!
ResponderExcluirJefh, seus textos funcionam como estímulos sinestésicos, nos remetem à memórias e sentimentos indecifráveis, porque não o sabemos reais ou imaginários.
ResponderExcluirVim retribui a visitinha ao meu blog, e já amei tudo isso, texto muito massa!
ResponderExcluirAbraços
http://vaidadesdemenino.blogspot.com.br/
Gostei dos textos que li aqui. Obrigada por comentar o meu texto. Abraço
ResponderExcluirVim retribuir a vista em meu blog wwww.soleluaarte.blogspot.com. Gostei muito do seu texto parabens pelo seu blog e sucesso.
ResponderExcluirAbraços
Nossa Que Lindo .
ResponderExcluirOque posso dizer , adorei demais mesmo.
Adoro textos assim , eu fico em transe sabe.
Jeferson está de parabéns !
Muito sucesso
Tri beijos e abraços pra ti !
Com carinho da sua mais nova fã Tata
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirGostei tanto de ler seu texto, vc escreve tão bem! Eu que não tinha o hábito de ler agora ando cada vez mais focada na leitura.
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