Pular para o conteúdo principal

O GRANDE CIRCO NONSENSE – VILA ABRANCHES

‘Anda depressa que eu não quero perder o ônibus. [...] Nossa, como você é lerda! [...]’ ‘Pronto. Chegamos. E nem precisava correr tanto. Viu? Besteira andar correndo assim, desse jeito. Não sei por que a senhora faz isso.’ ‘Você pensa que aqui é igual sua cidade? Aqui é diferente, viu? Aqui, se você não anda depressa e não tem atenção, perde a lotação e ainda é assaltada.’ ‘A senhora exagera.’ ‘Tá. Então sou eu que exagero?’ ‘É.’ ‘Não viu o que aconteceu com sua prima Matilde? Ela quase morreu de tanto susto. E olha que eram só dois moleques.’ ‘[...]’

‘Moço, já passou o que vai pro Jardim Paulistano?’ ‘Eu acabei de chegar aqui. Não sei não, moça. É melhor você perguntar ali na banca de jornal.’

‘Ele não sabe, vó.’ ‘Não deve ter passado ainda não. Quer pastel?’ ‘Não. Ainda estou cheia do café que a gente tomou.’ ‘Satisfeita. É satisfeita que se diz, e não cheia. Parece até que você é um saco falando assim!’ ‘Satisfeita então. Satisfeita agora?’ ‘[...]’

‘Olha lá! É o nosso! Vamos! Vamos, menina! Pega logo essas sacolas. Vamos que o motorista não espera ninguém.’ ‘Estou pegando. Calma!’ ‘Pergunta.’ ‘É esse sim, vó. Não tá vendo? Vila Abranches.’ ‘Pergunta.’ ‘Tá.’

‘Moço, passa Jardim Paulistano?’ ‘Passa.’ ‘Aí, não falei, vó? Nem precisava perguntar...’ ‘[...]’

‘O vó, a Matilde tá bem no novo trabalho dela?’ ‘Claro que tá. Vai ganhar o dobro. E ela se deu super bem com o novo patrão. Ela agora é a voz dele pro mundo. Todos que querem falar com ele têm que antes falar com ela. E como ela é jovem pra tamanha responsabilidade! Uma gracinha aquela menina!’ ‘E o que o narrador diz?’ ‘Que narrador, menina?’ ‘O narrador desta história, ou estória, sei lá.’ ‘E eu que vou saber? Tá doida, menina?’

O narrador: Tenho muita pena dela, a Matilde. Não raro, a vejo com o olhar apreensivo e manchas vermelhas na pele do rosto. Parece ter sido atacada por um faminto e insaciável pernilongo, um muito feroz aprisionado junto com ela em um minúsculo cubículo. Fica trêmula também quando nervosa e não sabe em instância alguma disfarçar sua apreensão. Gagueja. Sua face ruboriza. É de dar pena.

‘Não fique dando trela pra estranho, menina. Que homem mais esquisito! Quem é ele pra falar assim da Matilde?’ ‘Mas vó, ele sabe o que tá dizendo. Não percebe?’ ‘Sabe.  Sabe sim. Não sabe nem quando tá com fome! Olha o paletó dele, que coisa horrível! Isso parece mais um mendigo bêbado e doido daqui da praça. Vem pra cá, menina. Deixa esse doido falando sozinho aí.’ 

O narrador, a despeito do asco da anciã, continuou o traço de sua narrativa: Sua antecessora, a loira de nádegas avantajadas, se é que isso é alguma vantagem de fato, deve ser, tinha mais tato e empatia para com à prática da função. Não lhe parecia algo tão desafiante e opressor. Ao menos ela não demonstrava qualquer tormento. Quando não estava ocupada sendo a voz dele, ocupava-se em ser sua representação física. Organizava grandes eventos em seu nome aos quais ele jamais comparecia, porém, além de ser grandemente festejado pelos presentes, era também, sempre, o maior homenageado da ocasião. Ela sempre conseguia isso. Mas um dia ela se cansou de tudo. Abandonou o trabalho, o marido e os filhos e partiu agarrada às barbas de um velho dono de circo. Um pequeno circo que passava pela cidade uma vez ao ano, sempre no início de cada janeiro. E nunca mais voltou. Nem ela, nem a companhia do Grande Circo Nonsense.

‘Vó, viu só? Eu não falei que ele sabia o que estava dizendo?’ ‘Deixa disso, menina. É o nosso ponto! Vamos descer. Vamos! Puxa a cordinha, logo.

Comentários

  1. Bom dia! Um conto envolvente, fique com os olhos pregados na telinha. É engraçado como, às vezes, o personagem dialoga com o escritor...

    ResponderExcluir
  2. HAHA já pensei em largar tudo e fugir com circo tb
    adorei o texto, parabéns!!

    Bom feriado!
    Nana - Obsession Valley

    ResponderExcluir
  3. Muito bem elaborado este texto. Parabéns Jefh!

    Lembrei da minha sogra "me puxando" pelo Rio de Janeiro... e faz muuuuito tempo;-))))

    Abração
    Jan

    ResponderExcluir
  4. Amei o texto , parabéns,eu adoro ler,Vou vim te visitar mais vezes para ver os novos textos :)

    Obrigada pela tua visita ao meu blog.

    http://sombraeblushmakeup.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
  5. Oii
    Que interessante, gostei do texto
    bjs
    http://cosmeticosbelezasaude.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  6. Oi Jefh , adorei seu blog . muito interresante . Bjs mundodegarota00.blogsport.com.br

    ResponderExcluir
  7. Seus diálogos me fazem ter vontade de escrever do mesmo jeito. Sou péssima nisso, acredite. De todo modo, quero agradecer a visita no degrau da linha 14. Aquilo lá é um monte de sentimentos sobrepostos de qualquer maneira. Seu texto ficou ótimo, adorei a a parte: "Besteira andar correndo assim, desse jeito".

    Por de fato, corremos demais nessa vida, e nunca chegamos a lugar algum, ou só achamos que chegamos.

    Abraços!

    ResponderExcluir
  8. AHAHA mto bom!
    Qdo eu era criança, tb aprendi assim. 'fale satisfeita', mas só por rebeldia hj eu digo: 'comi tanto q entupi'

    ResponderExcluir
  9. Olá você me pediu uma visita e primeiramente quero dizer que seu blog é muito inspirador e textos ótimos Párabens para você .

    ResponderExcluir
  10. Muito maravilhoso! Adorei essa história, é engraçada e faz as pessoas refletirem, Parabéns!

    Clemente.

    ResponderExcluir
  11. Muito bom o dialogo, gostei bastante! Você escreve muito bem :)

    Dear Bella

    ResponderExcluir
  12. "Bom mesmo é ter alguém. Alguém que te cuide, que te mime, que te abrace – mesmo que só por pensamento – e que consiga te esquentar, te confortar, te aconchegar; seja porque você precisa, ou por pura demonstração de afeto. Alguém que te escute, que te entenda, que te apoie em qualquer circunstância. Que mostre teus defeitos e ajude a melhorá-los; não porque não os aceite, mas para que vocês possam crescer JUNTOS. Porque, acima de tudo, ele te aceita – e te ama – exatamente como você é. Bom mesmo é ter alguém que te faça rir, e que seja capaz de tudo só pra te ver sorrir. E que nos dias feitos para chover, faça nascer o sol apenas com a tua presença. Bom mesmo é ter alguém que você possa confiar. Alguém que você tenha intimidade, e não tenha medo nem receio algum de dividir teus problemas ou segredos. Bom mesmo é ter alguém para amar. Bom mesmo é ter alguém que te ame. Bom mesmo é pertencer à alguém, e alguém pertencer à você. Bom mesmo é se perder, e se encontrar no coração de outro alguém."
    http://eumeamodaisyolivier.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  13. Ooi querido seu blog foi avaliado *-* http://republicadasteens.blogspot.com.br/2013/02/avaliacao-de-blog-parte-1.html#more

    ResponderExcluir
  14. Oiii.


    Em resposta ao seu comentário em meu blogue:

    Eu não sei se vou mudar algo em meu blogue, eu amo ele assim. Eu compreendi a avaliação da Gabii. Ela avaliou com a opinião dela, com os olhos dela. Acho que mudar meu blogue para cor de rosa ou assim não faz nada o meu estilo e iria acabar por deixar de gostar dele. Faço postagens sombrias, tenho cores escuras porque esse é meu jeito de ser.
    Não visto nem cor de rosa. Preto pra mim é a cor ideal kkkk. E não, não levo uma vida feita de tristeza, simplesmente é assim que sou kkkk.

    Eu costumo dizer pras minhas amigas que meu blogue é um mundo só meu que só entra quem quer e só segue quem gosta.

    Acho que vou continuar assim, a ser eu mesma. =)

    Eu acho que seu blogue está bastante bom, mas essa é minha opinião.

    ResponderExcluir
  15. Olá Jeferson.
    Retribuí a visita e fiquei encantada com essa história.
    Queria saber escrever tão bem quanto você.
    Boa semana!.

    ResponderExcluir
  16. Oi Jefh, vim conhecer seu blog e adorei suas histórias
    Adoro esse jeito de escrever que você tem, amarrando as falas dos personagens de uma forma prazerosa de ler...
    Parabéns
    obrigada pela visita no meu blog, estou seguindo o seu, se quiser seguir-me será um prazer.
    Su

    ResponderExcluir
  17. Muito bom o conto,adorei...O blog é lindo e você
    escreve muito bem,a gente se sente fazendo parte da história,parabêns; ja estou te seguindo,um abraço!!!

    ResponderExcluir
  18. Gostei tanto do seu texto , esse diálogo que parece tão familiar , da uma dimensão da proximidade entre essas pessoas narrando a conversa ! Ótimo , adorei queria ter essa habilidade !!! vou acompanhar suas postagens Obrigada abç

    ResponderExcluir
  19. Oiii...
    Vim retribuir sua visitinha e conhecer seu blog. Adorei seu conto e sua maneira de escrever. Confesso que li ele duas vezes pra entender direitinho, mas achei muito legal.

    Beijos

    TeLa
    http://www.penseiraliteraria.com.br

    ResponderExcluir
  20. Existe, na minha opinião, aqueles que gostam de escrever e aqueles que escrevem para os leitores.
    É preciso descobrir quais dessas vertentes você quer atingir. A vontade já é meio caminho andado, o que você tem de sobra, fica agora de você se aprimorar e de se dedicar, se quer atingir a perfeição.
    Obrigada pelo espaço e pelo convite.
    parabéns pela iniciativa.

    ResponderExcluir
  21. Olá Jefferson. Aqui estou atendendo ao seu convite e que delícia de texto. Parabéns por esse diálogo que dá um toque especial a história.

    Abs

    Saleta de Leitura

    ResponderExcluir
  22. Olá, vim retribuir a visita e adorei o texto!!
    Me fez lembrar da infância com minha avó...meio que voltar no tempo e viajar na sua história!
    Você escreve muito bem, parabéns!
    Mil bjos
    *´¨)
    ¸.•´¸.•*´¨) ¸.•*¨)
    (¸.•´ (¸.•` **Cláudia Senamo
    Email: claudiasenamo@hotmail.com
    novaborralheira.blogspot.com.br
    www.facebook.com/NovaBorralheira

    ResponderExcluir
  23. Olá amigo virtual,

    Vim retribuir sua visita e adorei seu blog. Você escreve muito bem. Vá em frente. Compartilhei seu link no facebook. Agradeceria se fisseze o mesmo.
    Um abraço

    Unindo forças para divulgar nosso trabalho.

    ResponderExcluir
  24. Olá Jeferson,
    Muito legal o texto. Bem original e cotidiano.
    Adorei!!!
    bjs

    entrepaginasesonhos.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
  25. Olá Jefh! Gostei muito de conhecer seu blog, você escreve muitíssimo bem e gostei muito deste texto! Às vezes acontece exatamente isso: as pessoas ficam tão preocupadas em fazer tudo ser sempre certo, que acabam cuidando da vida dos outros, se intrometendo mesmo sem serem chamadas.
    Gostei muito das partes do narrador, bem inovador da sua parte! Senti um diálogo entre personagem-escritor-leitor bem forte nesse aspecto.

    Beijinhos!

    ResponderExcluir
  26. Olá, obrigado pela visita e comentário lá no blog! Gostei do seu cantinho e de seus escritos. o texto, que li agora é ótimo! Sucesso.
    Lia Christo
    www.docesletras.com.br

    ResponderExcluir
  27. olá, passando por aqui, para ler...
    Adoro!
    besos

    ResponderExcluir
  28. Olá bom dia Jefh ;)
    Obg pela visitinha, fiquei mto feliz:)
    Vim correndinho conhecer seu blog, nossa me entusiasmei ao ler esta crônica, história ou estória...rsrs interessante ;)
    Parabéns pelo blog!
    Lindo dia, Deus abençoe ;)
    Ah, já estarei te seguindo tbm, é sempre bom estender nosso rol de amizades na blogosfera e poder divulgar blogs interessantes ;)

    ResponderExcluir
  29. Boa Noite Amigo.
    Sou sua seguidora a algum tempo ,
    mais com meus problemas de saúde sempre demoro a voltar.
    Li de tudo um pouco aqui hoje inclusive seu 4 anos de blog
    onde vc agradece a familia pelo apoio achei lindo da sua parte ,
    enfim a familia é tudo quando vive em união.
    Deus abençoe você hoje e sempre,Evanir.

    ResponderExcluir
  30. Bem interessante o texto! Gostei como a ação já se inicia de imediato, em forma de diálogos.

    Abraços,
    Thaís

    ResponderExcluir
  31. Obrigada pela visita e comentário.
    Estou seguindo'adorei.

    Post novo, venha conferir!!!


    (Comente e Siga-me)
    http://gabriellyrosa.blogspot.com G.R ♥

    ResponderExcluir
  32. Eu gostei dos dialogos, só não curto muito eles serem escritos com aspas porque pra mim é dificil localizar quando um começa e outro termina rsrsrs

    Parabens pelo texto! Muito bacana
    Bjokas
    Flavia - Livros e Chocolate

    ResponderExcluir
  33. O Refém das Letras já segue o blogue de perto! Boas leituras :)

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Comente. É isso que o autor espera de você, leitor.

Postagens mais visitadas deste blog

Cartas a Tás (20 de 60)

Ituverava, 30 de junho de 2009 Aqui estamos, Tás. Eu e essa simpatia que é Lucília Junqueira de Almeida Prado, autora de mais de 65 livros publicados, capaz de recitar poemas de sua autoria compostos com cantigas de roça, bem como poemas de Cora Coralina, feito uma menina sobre o palco. Estive novamente na feira do livro, engoli meu orgulho de vez e abracei a causa. Fui lá não para vingar-me, com críticas sobre o fabuloso evento, nutridas por minha derrota no prêmio Cora Coralina, mas sim, para divulgar a campanha Cartas a Tás, que agora ganhou um slogan; “Restitua a cidadania do menino encardido que ficou famoso e apátrida”. Tás, você é de Ituverava e Ituverava é sua, irmão. Espero que aprove, meu mestre, pois para servir nesta batalha tive que ser um bom perdedor. E não é bom perder, isso aprendemos nos primeiros anos de existência, acho até que já nascemos com este instinto, pois quando uma criança toma por força algum objeto que por ventura esteja em nossa posse, qual menino não se

O Verbo Blogar

O Blog, á nossa maneira, á maneira do blogueiro amador, blogueiro por amor, não dá dinheiro; mas dá prazer. Isso sim. Quando bem trabalhado dá muito prazer. Quando elaboramos uma postagem nos percorre os sentidos uma onda de alegria. Somos tomados por uma euforia pueril. Tornamo-nos escritores ou escritoras que “parem” seus filhos; tornamo-nos editores; ou produtores; ou mesmo jornalistas, ainda que não o sejamos; tornamo-nos poetas e poetisas; contistas e cronistas; romancistas; críticos até. Queremos compartilhar o quanto antes aquilo que criamos. Criar é uma parte deliciosa do “blogar”; e blogar é a expressão máxima da democratização literária – e os profissionais que não façam caretas, pois, se somarmos todos os leitores de blog que há por aí divididos fraternalmente entre os milhões de blogs espalhados pelo grande mundo virtual, teremos mais leitores que Dan Brown e muitos clássicos adormecidos sob muitos quilos de poeira. Postar é tudo de bom! Quando recebemos comentários o praze

O Cavaleiro Da Triste Figura

Há algum tempo que conheci um descendente do Cavaleiro da Triste Figura. Certamente que era da família dos Quesada ou Quijada; sem dúvida que o era; se rijo de compleição, naquele momento, como fora seu ancestral, eu duvido; porém, certo que era seco de carnes, enxuto de rosto e triste; e como era triste a figura daquele cavaleiro que conhecí! Parecia imensamente distante dos dias de andanças, de aventuras e de bravuras; se é que algum dia honrou a tradição do legado do tio da Mancha. Assemelhava-se a perfeita imagem que se possa configurar do fim. O homem contava mais de 80 anos por aquela ocasião. Era um tipo longilíneo, de braços, pernas e tórax compridos, tal qual me pareceu e ficou gravada das gravuras a figura do Cavaleiro da Triste Figura. Seu rosto longo, de tão retas e verticais as linhas, parecia ter sido esculpido em madeira, entalhado. Um nariz longo descendo do meio de uns olhos pequenos postos sob umas sobrancelhas caídas e ralas, dando aí o ar de grande tristeza que me c