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Mostrando postagens de agosto, 2012

O TREINAMENTO [O AR QUE RESPIRO É O AR QUE ME RESPIRA]

Não basta ter uma narrativa agradável, é preciso teor cultural para a crônica valer a pena de verdade. Não sei como é para os outros escritores amadores como eu, mas acho complicado depurar uma prosa boa, que valha a pena, a partir de fatos corriqueiros do cotidiano, sem nada mais literário. Sempre acho que o motivo para um texto razoavelmente interessante seria um fato de proporções extraordinárias, ao menos no imaginário de quem cria o texto. O comum é comum e me parece estar destinado ao lugar comum, à caixa de papéis velhos, ao quarto de despejo, ao velho baú de enxoval, ao esquecimento. E tudo vai sendo esquecido, e tudo vai sendo puído, e tudo é corroído pelo ar que ali também ficou aprisionado e não se renova. É o ar o provável responsável pela deterioração de tudo que está contido dentro desta bolha atmosférica. É tudo culpa do ar. E até chegar a esta conclusão, eu nunca havia entendido o verdadeiro motivo pelo qual pessoas de idade avançada possuem verdadeiro pavor por port

INFAUSTA CORRIDA, O CHOQUE

Naquele dia, quase conheci o meu fim grudado à campainha de minha própria casa. Tudo começou quando dobrei à esquina, correndo, sob forte vento e violenta chuva em diagonal, sob clarões titânicos tétricos que acendiam a rua, que já tinha metade de sua claridade por conta da iluminação pública. Um céu sarcástico bradava tempestuoso contra qualquer ser insolente que teimasse em não esconder-se. No caso, o transeunte teimoso era este cronista que vos fala. Mas antes de chegar à esquina, eu corria para sair da avenida onde corro todos os dias. Por grande coincidência, meu pai, que passava de carro pelo local, me viu e ofereceu carona, ao que recusei com um vigoroso gesto ‘Siga em frente, que estou bem!’ que não deixou dúvida de que eu estava resoluto em seguir enfrentando a fúria da natureza por mais duas quadras e meia até chegar em casa por meus próprios passos encharcados. Ele sabe que sou mesmo assim, decidido. Deve me achar meio falto de um parafuso, mas isso não importa. Este para

INFAUSTA CORRIDA, A QUEDA

Noite de sexta, eu fui correr. Tudo bem, tudo tranquilo - quase ninguém faz isso aqui em minha cidade numa sexta à noite. Os barzinhos ficam lotados e a avenida fica vazia de caminhantes e corredores. Apenas carros passam em número considerável. Em uma das margens do lago, a mais distante da entrada da cidade, pescadores urbanos lá estavam com seus banquinhos, equipamentos, ambições, reflexões e cigarros para compor a cena. Pra não dizer que apenas eu praticava atividade esportiva, havia uma moça caminhante, um casal que também caminhava, um corredor careca pouco ou nada simpático. Passei pelo careca que não deu o menor indício de que retribuiria meu político ‘boa noite!’ - sou desses que cumprimenta a todos. Logo que passei pelo calvo, veio pela frente uma pequena mangueira frondosa cuja copa domina o espaço aéreo sobre a calçada. E havia um caprichoso buraco ali no chão, justamente embaixo da árvore. Confluindo o buraco e o mau olhado do careca, a ponta do meu pé alojou-se na