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Mostrando postagens de maio, 2012

GENÉRICO

Certa manhã, a cidade vermelha amanheceu cinza. Genérico viu que a cidade estando cinza era diferente. Viu também que aquilo era bom. Além do quê, uma mudança de ambiente poderia produzir sutis alterações positivas em seu estado de humor, em seu ânimo. A rotina, por mais segura, por vezes o enfadava um tanto quanto. E mesmo pequenas mudanças, aparentemente irrelevantes na ordem do dia, poderiam ocasionar algo que os consultores chamam de fator motivacional extra. Contudo, não imaginava nem de longe que aquilo pudesse ser o prelúdio de uma manhã sombria. Durante a semana, Genérico vendia movimentos naturais, buchas vegetais, especiarias em saches e filosofia empírica aplicada, além de uma gama imensa de outros produtos fornecidos de acordo com o gosto e necessidade específica revelada por cada cliente seu. Atendia e entregava em domicílio. Não era um ramo lucrativo e nem prestigioso. Seu trabalho era, na verdade, quase filantrópico. Sem qualquer lucro, ganhava apenas para o s

ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ – PARTE III

Ao descer no terceiro ponto de ônibus e pisar o chão da Avenida Atlântica, Teddy já sabia que a coisa seria mesmo de doer mais do que supusera quando partiu arrependido de sua mancada de São Paulo rumo ao Rio. Repentinamente, recordou-se de que ali pisara em inúmeras manhãs ensolaradas que lhe resplandeciam pelo trajeto do utópico caminho da felicidade eterna. Trêmulo, tentando conter suas mãos nervosas, úmidas e geladas, postou-se diante do edifício São Miguel Martinho e expeliu bem mais que um suspiro contristado, bufou longa e melancolicamente. Hiroshi, o porteiro, que o que tinha de irônico proporcionalmente tinha de gago, assim que avistou Teddy, mudou seu semblante de neutro para fechado e entediado. Teddy teve a forte impressão de que o porteiro chegou a fazer um sinal de reprovação com um meneio de cabeça e elevação de sobrancelhas, porém, se o fez de fato, fora muito discreto, impossibilitando a certeza do gesto reprovador e desdenhoso. Fechou o bico da mangueira com a

ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ – PARTE II

Eu nunca tive nada a ver com Teddy Lombard. Ele, ou a figura dele, melhor dizendo, nunca me convenceu de nada. E não tenho nenhum parentesco com Teddy, como possa supor. Sequer somos ou fomos grandes amigos em qualquer época. Sou simplesmente o narrador e isso tem que bastar. Acho que estou bem à distância. Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém. Sei que era uma figura, um tipo. Era escritor sem editor ou livro, um quarentão sem mulher ou filhos, um cineasta sem filme ou recursos de patrocínio, um artista plástico sem exposição ou obra, um ator sem papel em lugar algum, nem em comercial de sandálias, um cantor, compositor, arranjador sem música, sem banda, sem instrumento, um ex jogador de futebol sem camisa, carreira. Tinha pose para tudo quanto havia neste mundão de Deus, porém feito mesmo que é bom, nenhum. Desde que tomei conhecimento de sua existência, o que já faz uma pá de anos, ele sempre morou num pequeno apartamento de um decrépito edifício comercial situad