Pular para o conteúdo principal

BRB - O FIM DO MUNDO ENFIM

Amanheceu surdo como uma pedra. Estava disposto a distorcer sobremodo o significado de cada frase que percebesse ser emitida em sua direção. Pela expressão do rosto de seu interlocutor, apenas pressupunha o teor das palavras. Respondia com o que lhe viesse à mente. Por exemplo, ao perguntarem se dormiu bem, respondia que fazia frio naquela manhã e que não havia a menor chance de o sol surgir. Mas se lhe oferecessem café e pão em sua direção, aceitava e agradecia.

Havia tempo que estava invocado com os pedreiros. Todos os dias, antes que a família (filho, nora e dois netos) saísse para seus afazeres, dizia que os pedreiros não respeitavam a casa na ausência dos donos. Por estar cada vez mais surdo, a cada dia repetia as acusações em volume mais audível aos acusados. Apenas a família ficava constrangida, pedia para que falasse baixo. Não adiantava. Dizia que o pedreiro mais velho, o sujeito ruivo e barrigudo, era o mais abusado. Dizia que o folgado até abrir a geladeira abria e beliscava as comidas. O mesmo sujeito lia o jornal com os pés sobre uma cadeira, largava o jornal e ligava a tevê da copa, ficava mudando os canais feito um louco desvairado até encontrar um canal que o filho jurava jamais tê-lo assinado e que só constava ali por conta de um erro da operadora. Reclamava também do rapazinho que outrora elogiara, o servente. Disse que o mais velho estragou o garoto que seria tímido e educado no princípio, mas que agora era o mais ansioso para sair antes das dezessete horas, horário de encerramento do turno. E que também saía durante o horário de serviço, e atendia o celular, montava em sua bicicleta e aparecia meia hora depois, às vezes até mais.

Bob/Rock/Blues reclamava também da mulher que cuidava da limpeza e ordem da casa. A mulher era já uma instituição familiar. Estava na casa desde que o mais velho dos filhos, o de onze anos, nascera. Bob/Rock reclamava que a mulher levava uma eternidade para atender ao badalar da sineta, e que toda vez que vinha era com pressa para retomar o serviço da casa. A funcionária era uma pessoa séria e não gostava de conversa. Trabalhava sempre compenetrada em realizar da melhor maneira possível o serviço todo da casa. Na verdade, detestava ser interrompida.

Havia também a mulher que cuidava da roupa da família. Esta ia apenas duas vezes por semana na casa. Ficava na lavanderia, na área de serviço. Quando ouvia Bob/Rock/Blues chamar, apenas avisava a outra, e jamais fora ver o que o velho desejava.

Ás oito horas, chegava a enfermeira de Bob/Rock que ficava durante o dia. Esta ele dizia que era paga para ver televisão e falar ao celular com o namorado, um rapaz todo tatuado cujo qual certa vez Bob/Rock indagou ao próprio, ao vivo, na lata, se era maconheiro. E por conta de brincos, já em outra oportunidade, perguntou se o rapaz era veado, neste exato termo. A moça auxiliava no banho e dava os remédios do horário e alimentava o ancião com grande rigor e eficiência. Colocava o homem para tomar um pouco de sol. Guiava-o pela casa para as atividades de vida diária. E quando tudo estava certo, posicionava Bob/Rock/Blues em uma poltrona e ia assistir os programas matinais antes do almoço e programas de auditório pela tarde, novelas também.Coisas que Bob/Rock odiava declaradamente.

Mas naquela manhã, Bob/Rock não quis esperar até que a jovem enfermeira chegasse. Assim que a família partiu para suas respectivas ocupações, com grande dificuldade, ergueu-se da mesa do café apoiado na cadeira e depois na própria mesa, tomou o andador, que estava próximo, e, sem ser percebido pelo pessoal da reforma, que estava em um cômodo do fundo da casa, saiu pela garagem. Por descuido de alguém ou providência do destino, o portão estava aberto. Cuidadosamente, desceu a rampa e ganhou à calçada. Queria fazer uma caminhada? Queria fugir de casa? Queria chamar a atenção? Queria ver o movimento da rua? Queria apenas exercer sua condição de individuo livre, em termos? Queria apanhar uma flor justamente do canteiro no qual rachou o crânio? O que Bob/Rock/Blues queria ou planejava ninguém soube explicar com segurança. Sabe-se que fora encontrado inconsciente, ferido, caído na calçada com a cabeça, o rosto e a camiseta do Ramones ensanguentados. A vizinha foi quem o viu primeiro. O fato é que,daquele dia em diante, Bob/Rock/Blues não mais foi o mesmo.

Comentários

  1. Nesse detectei um certo estilo Kafka, não sei porque... Acho que pelo estilo da narrativa! Loucura minha? Viajem emaconhada de uma enfermeira? Ou simplesmente...

    ResponderExcluir
  2. Talvez, BOB/ROCK/BLUES apenas quisesse (ainda que inconcientemente) usufruir da sua própria individualidade e pagou o preço.
    O preço foi justo???? ... uma fração do tempo de individualidade vale qquer coisa.

    Abração
    Jan

    ResponderExcluir
  3. Nossa, estava com saudades dos seus textos. Depois de tanto tempo afastada dos blogs, retorno e não pude deixar de te fazer uma visita. Adorei o texto. Vou agora dar uma lida nos outros posts. Abraços.

    ResponderExcluir
  4. Olá Jeferson! Gostei do texto! Muito bom! =D
    Sou uma eterna aprendiz da vida, do amor e até da dor.
    Obrigado pela visita ao meu blog, volte sempre que quiser! ;)
    Tenha uma ótima e abençoada semana também!
    Beijos

    ResponderExcluir
  5. O dom da escrita me fascina e vc o faz com maestria! Parabéns pelo lindo texto e já te sigo por aqui .
    Compartilhei no twitter.
    Abraço e obrigada pela visita la no santa dica .
    Valeria Ferro

    ResponderExcluir
  6. Como você consegue nos prender tanto com sua escrita?
    Ah, impossível não se tornar sua fã!
    Beijos, meu querido.

    ResponderExcluir
  7. HEHEHE... com certeza, ele não foi mais o mesmo, mas a família deve ter ficado mais feliz.

    ResponderExcluir
  8. Gosto de ler bons textos para descansar das obrigações diárias e estou encantada com o seu talento.Já estou seguindo seu blog. Parabéns!

    ResponderExcluir
  9. Gostei do seu estilo.
    Obrigada pela visita e voltarei por aqui também!
    Abraço.

    ResponderExcluir
  10. Parabéns pelo blog, obrigada pela visita ao meu. beijo
    Cida Torneros, RJ

    ResponderExcluir
  11. 'Adorei o texto. Você mesmo cria suas histórias?
    Eu gosto de escrever, e quero ser escritora e fotógrafa. Meu Blog é mais sentimentalista, tipo os Tumblrs ...
    Eu não posto textos assim. Mas as vezes eu tomo coragem e boto uma parte ou outra de uma história minha. HEHE'
    Vou ler mais seu Blog. Beijos.

    ResponderExcluir
  12. Bom dia Jeferson!! Passando pra retribuir a visita!!! Gostei muito do seu texto!

    ResponderExcluir
  13. Oi Jeferson, adorei sua história, tu é bom hein cara! Vou voltar para ler outras... Obrigada pela visita. Deixei um comentário lá, explicando a poesia e o texto do face... Como é que você me descobriu? Um abraço!

    ResponderExcluir
  14. Oi Jeferson, obrigada pela visita e pelo comentário.
    Vc tem razão, o importante é trilhar o caminho do bem, sempre.
    Adorei o seu blog e as histórias, estou ansiosa pelas próximas.
    Gde abraço e um final de semana iluminado.

    ResponderExcluir
  15. Olá Jeferson!Primeiramente gratidão eterna pelo seu elegante e primeiro comentário em meu modesto blog.
    Chega um momento que o corpo que habita dentro de nós não mais compactua com a carcaça que temos que carregar.
    Hoje pelos mesmos motivos, o meu BOB/ROCK foi morar no mesmo mundo que o seu. abraço

    ResponderExcluir
  16. oi Jeff boa noite,obrigado pela visita lá no blog,não vou prometer ler o livro que vc me indicou,pois estou sem tempo mais obrigada pela dica,quando surgir um tempinho quem sabe kkkkkkkkk.

    ResponderExcluir
  17. Oi Jefh..


    Fazia tempo que não visitava o seu blog.

    Como sempre adorei a tua cronica.
    Super original o nome do teu personagem...
    Seria até engraçado se p texto fosse mais leve. Mas é forte,
    Eu não quero ser ranzinza quando ficar mais velha..rs
    Eu as vezes penso que as pessoas são ranzinzas para chamar atenção.. carencia.

    Bom..talvez o Rock Blue ja estivesse cansado.... e arrumou um jeito de fugir da realidade, inconcientemente.

    Acho eu deveria ter estudado psicologia...rsrs

    Meu amigo, deixo aqui o meu beijo a voce, a sua esposa, ao seu filhote... a todos os seus amados.

    Um beijo...

    ResponderExcluir
  18. Oi,boa tarde. Vim elogiar o seu blog que é magnífico e vim aqui também para lhe pedir dois favores. Teria como você seguir o meu blog e publicá-lo?
    Esse é o meu blog : http://www.gtpc.blogspot.com.br/
    Obs: Já lhe sigo,impossível não seguir um blog tão espetacular como o seu.
    Grata.

    ResponderExcluir
  19. Boa noite, adorei seu blog! estou seguindo e conto com sua visita no meu, abraços

    www.acreditaremserfeliz.co.cc

    ResponderExcluir
  20. Bom dia,Jeferson!

    Puxa, que história!
    Belo texto!
    beijos!Boa semana!
    *Obrigada pela visita!
    Seja bem-Vindo!

    ResponderExcluir
  21. oi jefh obg por elogiar meu blog... espero que eu consiga tantos membros como vc bjuss

    ResponderExcluir
  22. Querido, eu só falei a verdade ^^
    Sou sua fã.
    Beijos

    ResponderExcluir
  23. Jeferson, estoy vendo que és um bom marketeiro de teu blog. Tens uma alma sensível e o seu trabalho é magnífico. Sabe aquele livro os 100 melhores contos brasileiros do século XX? Você certamente estará no do séc. XXI se depender de mim. Sua escrita é ao mesmo tempo agressiva e suave, a leitura é fácil e agradável, com uma dose de humor e de algo com que a gente se identifica. Tenho certeza que farás muuuuito sucesso, inclusive o meu bloguinho iniciante teria o maior prazer em fazer uma entrevista virtual contigo - quiça real, para desvendar os segredos deste talento. Parabéns, dom é dom e o seu você já encontrou. Quero que sejas inspiração para muitos aspirantes a escritores por este Brasil afora. Respondi no meu blog a seu comentário nos seguintes termos: "Convite aceito Jeferson, nossa você é muito bom na escrita, quanta criatividade! Para mim é uma honra saber que você gostou do post rsss e ter entrado no clima de shopping e tal... é o que no fundo pretendo passar aos leitores, que possam "viajar" junto comigo rsss E essa sua frase do sonho? Perfeita, vem muito a calhar nesse momento que estou passando, várias idéias em mente e tal... O coração falando mais alto! Boa semana para ti". Apenas fiquei curiosa sobre como você conheceu o meu bloguinho. Beijos, ótima semana e muito sucesso!!! Fernanda Dantas

    ResponderExcluir
  24. Jefh, já fiz propaganda de seu blog no meu facebook, aposto no seu talento e quero ver seu nome do livro dos melhores contos do século XXI!!!! Postei assim no face:

    "Mesmo que a felicidade lhe caia do céu é preciso estar na hora e no lugar certo. Mova-se!” Jeferson Cardoso, super talento literário revelado no blog www.jefhcardoso.blogspot.com.br/ . Recomendo a leitura a todos os apreciadores!

    ResponderExcluir
  25. PARABÉNS ADOREI O SEU BLOG!!!! jÁ DIVULGUEI ELE NO MEU FACE E NO MEU BLOG...

    ResponderExcluir
  26. Oii Jefh,adorei seu blog,o texto também,obrigada por comentar no meu blog...

    ResponderExcluir
  27. Olá Jeferson,

    Vim retribuir a visita e li o seu texto. Está muito bom. No meu ponto de vista, o problema da idade é que as pessoas esquecem que aquele ser é uma pessoa, não é um "velho". A surdez é carregada de preconceito e solidão. As pessoas ao redor não têm paciência e não entendem o quanto o outro escuta e como percebe o mundo. Pra mim Bob/Rock/Blues estava cheio de todos ali e foi procurar viver sua vida sozinho.

    bjs

    ResponderExcluir
  28. Parabéns pelo blog! O texto muito foi bem escrito.faz a gente pensar sobre uma das maiores verdades da vida: "Você colhe o que você planta"...

    ResponderExcluir
  29. Concordo com Tatiane, o texto está ótimo, e o blog está muito bonito, meus parabéns a vc ok ♥

    ResponderExcluir
  30. Jeferson, a velhice é triste, principalmente qdo o idoso quer ser útil e não o consegue. Para a família, passa a ser um incomodo, não pq não gostem, mas pq lhes falta o entendimento de um coração que durante toda sua vida doou amor, e, quer continuar a doar, mas o corpo cansado não o permite ...
    O corpo envelhece, mas o espírito é jovem...
    O que precisa sempre é aceitação ...
    Obrigada pela visita ao meu blog, um abraço.
    Adelaide

    ResponderExcluir
  31. retribuindo a visitinha que vc fez ao meu blog adorei a história muitoooo interessante prende a atenção da gnt=)
    Enfim obrigado pela visita e espero q volte sempre pois eu com certeza vou visitar sempre...Adorei=)
    BY>Ellemzinha
    http://garotassortudas.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  32. Bom... muito obrigada por ter visitado meu blog..
    to aquii retribuindo sua visitiinha
    adorei seu blog
    ele é realmente muito bom!
    bjinho

    ResponderExcluir
  33. Olá, Jeferson.

    Adorei seus textos, são muito bons.. Parabéns. te desejo todo o sucesso do mundo.

    Obrigado por visitar meu blog e ter postado seu comentário.

    ;]

    ResponderExcluir
  34. Ola Jeferson ,vim aqui retribuir sua visita e dizer que adorei tambem o que escreve e vou ser sua seguidora,um abraço e apareça mais vezes.

    ResponderExcluir
  35. Caramba! Muito bom o jeito que vc usa palavras nada convencionais sem tornar o texto chato, incrível! Seu estilo de escrita é muito único!
    O Bob me lembrou um coronel de uma peça que fiz. Um filhodaputa de um moribundo, mais naturalista impossivel. Ainda acho que ele foi pro meio da rua para ser propositalmente atropelado e poder ir mais rápido para o inferno, tratar dos negócios que tinha com o demonio... hahaha Ok, viajei...
    E pra finalizar, tenho que dizer que passei mal! Velhice é meu ponto fraco. O tempo também. E vc usou e abusou disso hein!
    Arrasou! o texto é maravilhoso! sem mais.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Comente. É isso que o autor espera de você, leitor.

Postagens mais visitadas deste blog

Cartas a Tás (20 de 60)

Ituverava, 30 de junho de 2009 Aqui estamos, Tás. Eu e essa simpatia que é Lucília Junqueira de Almeida Prado, autora de mais de 65 livros publicados, capaz de recitar poemas de sua autoria compostos com cantigas de roça, bem como poemas de Cora Coralina, feito uma menina sobre o palco. Estive novamente na feira do livro, engoli meu orgulho de vez e abracei a causa. Fui lá não para vingar-me, com críticas sobre o fabuloso evento, nutridas por minha derrota no prêmio Cora Coralina, mas sim, para divulgar a campanha Cartas a Tás, que agora ganhou um slogan; “Restitua a cidadania do menino encardido que ficou famoso e apátrida”. Tás, você é de Ituverava e Ituverava é sua, irmão. Espero que aprove, meu mestre, pois para servir nesta batalha tive que ser um bom perdedor. E não é bom perder, isso aprendemos nos primeiros anos de existência, acho até que já nascemos com este instinto, pois quando uma criança toma por força algum objeto que por ventura esteja em nossa posse, qual menino não se

O Verbo Blogar

O Blog, á nossa maneira, á maneira do blogueiro amador, blogueiro por amor, não dá dinheiro; mas dá prazer. Isso sim. Quando bem trabalhado dá muito prazer. Quando elaboramos uma postagem nos percorre os sentidos uma onda de alegria. Somos tomados por uma euforia pueril. Tornamo-nos escritores ou escritoras que “parem” seus filhos; tornamo-nos editores; ou produtores; ou mesmo jornalistas, ainda que não o sejamos; tornamo-nos poetas e poetisas; contistas e cronistas; romancistas; críticos até. Queremos compartilhar o quanto antes aquilo que criamos. Criar é uma parte deliciosa do “blogar”; e blogar é a expressão máxima da democratização literária – e os profissionais que não façam caretas, pois, se somarmos todos os leitores de blog que há por aí divididos fraternalmente entre os milhões de blogs espalhados pelo grande mundo virtual, teremos mais leitores que Dan Brown e muitos clássicos adormecidos sob muitos quilos de poeira. Postar é tudo de bom! Quando recebemos comentários o praze

O Cavaleiro Da Triste Figura

Há algum tempo que conheci um descendente do Cavaleiro da Triste Figura. Certamente que era da família dos Quesada ou Quijada; sem dúvida que o era; se rijo de compleição, naquele momento, como fora seu ancestral, eu duvido; porém, certo que era seco de carnes, enxuto de rosto e triste; e como era triste a figura daquele cavaleiro que conhecí! Parecia imensamente distante dos dias de andanças, de aventuras e de bravuras; se é que algum dia honrou a tradição do legado do tio da Mancha. Assemelhava-se a perfeita imagem que se possa configurar do fim. O homem contava mais de 80 anos por aquela ocasião. Era um tipo longilíneo, de braços, pernas e tórax compridos, tal qual me pareceu e ficou gravada das gravuras a figura do Cavaleiro da Triste Figura. Seu rosto longo, de tão retas e verticais as linhas, parecia ter sido esculpido em madeira, entalhado. Um nariz longo descendo do meio de uns olhos pequenos postos sob umas sobrancelhas caídas e ralas, dando aí o ar de grande tristeza que me c