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Mostrando postagens de março, 2012

RIDE THE LIGHTNING

A vida dele nunca foi fácil. Gostava de rock. Era o estilo que transformava a opressão que sofria em energia pra reagir, saltar, dar cabeçadas e socos no ar. E essa era toda sua rebeldia. Sem álcool, sem drogas, sem dinheiro, sem convites para festas e lugares. O rock lhe salvava de qualquer violência sofrida ou melancolia oportunista. Em sua mente compunha contos fabulosos onde sob a violência dos acordes tornava-se um herói de si mesmo, seu próprio defensor. Não entendia piorra nenhuma do inglês gritado pelos americanos. Fora algum refrão, tudo era um emaranhado ininteligível, uma gritaria enfurecida, uma extravagância charmosa e sedutora. Gostar de rock, para ele, e para alguns, era ser ferrado na vida com estilo. Um dia foi espancado violentamente. Levou tantos socos na cabeça que por fim já não os sentia. Não havia a quem apelar. E quem poderia lhe ajudar se acovardava. Após a surra, após a saraivada de golpes sobre sua caixa craniana, a entidade monstruosa fartara-se

O LEILÃO

Passava do meio dia e incidia um resplandecente sol de domingo quando ela foi despertada por um homem magro, de estatura média, cabelos castanhos escuros e bem cortados que puxou lentamente o lençol que lhe servira por cobertura durante a madrugada fresca e chuvosa. E ao recolher o tecido, era possível inalar o forte ar de fera amanhecida. A moça que dormia até após o meio dia exalava aromas adocicados, salgados, ácidos. Tudo misturado ao cansaço do corpo e da pequena roupa íntima que trajava. Não era fácil precisar naquela hora e circunstância quantos anos ela teria. Com o rosto ainda maquiado e de ressaca, aparentava cerca de vinte e dois ou vinte e três anos. Mas ao imaginá-la sem a maquiagem, ‘de cara lavada’, como dizia Tartá, um dos sócios da Chácara da Fantasia (nome informal do estabelecimento), não seria uma surpresa se ela ainda não tivesse alcançado a maioridade. ‘Bom dia!’, disse o homem. Repetiu a saudação outras duas vezes antes de caminhar até a janela e abrir uma d

O INFERNO SEGUNDO CONSTA

Agora e sempre, toda essa gente na hora e no lugar do costume pra dizer e fazer saber as mesmas coisas do costume. Elas andam, param, pensam, dirigem e tudo transcorre num ir e vir costumeiro e, de certa forma, improvisado. E eu, não sendo isento ou diferente ou indiferente ao costume, aqui estou. Preso dentro desta caixa de vidros, plásticos e metais que é meu pequeno veículo. Uma nave rastejante sobre o asfalto. Uma lesma que ao rastejar, ao invés de visco, deixa uma quase sempre imperceptível marca de borracha impressa na superfície do solo por onde passa. E em horário de trabalho eu trabalho. Sou um trabalhador honesto e honrado. Todavia confesso que em meu tempo de descanso eu cometo o ato vil de escrever e contar coisas que deveriam muitas vezes perecer no imaginário. Computador? Somente depois das dezoito ou dezenove horas. Neste teclado não ponho os dedos antes que todas as minhas tarefas sejam vencidas. Mas hoje fujo à regra e cometo uma exceção. Não se trata simp

NAVEGANTES [07.01.2012] [07:16]

[07:16] Faz uma belíssima manhã ensolarada. Acordo cedo, por volta das sete. Fico um tempo deitado tentando realinhar minhas articulações, ossos e músculos. A casa se move lentamente, delicadamente, cuidadosamente, aos sussurros. O cheiro de café perfuma a copa e a cozinha. Mais suavemente, invade também os outros cômodos. Esqueci os chinelos em casa, – eu sabia que estava esquecendo mais algo - arranjo outro par. Vou até a sala onde ligo a televisão e o videogame da Sega que há na casa. ELA delega tarefas a todos. Jogo minha terceira partida de COLUMNS e vou ver qual é a minha incumbência. A família que está na casa, e partirá logo mais, ainda não despertou. Pouco depois, ouço gritos de agonia no quarto do final do corredor. Ficamos todos sobressaltados com o som, surpresos. Não sabemos o que está acontecendo. Esperamos o que há de vir na seqüência. Eis que a porta se abre. Sabemos que um casal e um filho estão no apartamento. Fomos avisados pela dona da locadora. Sabemos tam