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RODOVIA CÂNDIDO PORTINARI

Um soldado na pista sinaliza para que os carros usem somente a faixa da direita e reduzam a velocidade. “Vai de vagarinho. De vagarinho. Por aqui!”: diz o soldado. Os condutores obedecem, os carros se alinham. O sol do meio dia é forte. São muitos os veículos que trafegam naquele momento no trecho de pista urbanizada de lado a lado. A periferia encontra os cantos e se instala. Casas populares abrigam famílias, rendem votos, ocupam o perímetro urbano até à beira da pista. Sigo pela rodovia. A ambulância pisca suas luzes rotatórias logo à diante. Viaturas da polícia ocupam o acostamento. O povo lota a passarela à frente e os arredores da cena. Povo de todas as cores, tamanhos e formas. Povo de vestido longo e cabelo amarrado, é crente. Povo jovem e forte, sem camisa e com o peito à mostra, é mano. Povo que para a bicicleta e encosta a magrela no quadril enquanto olha, é curioso. Povo que cruza os braços enquanto observa, é maioria.

Os carros seguem cada vez mais lentos e enfileirados. Ocupam meia pista, conforme fora ordenado. Logo passarei pelo foco principal da cena. É inevitável. Mas posso desviar o rosto e olhar para o lado, não olhar o centro da movimentação, não carregar para casa a culpa por uma curiosidade mórbida. E no mais, venho de um lugar onde tive um momento muito agradável. Comprei uma bomboniere. A recheei com balas e bombons. Embrulhei tudo em papel de ceda rosa e celofane transparente. A moça fechou o embrulho com um laço de fita vermelha. Estou fechando uma manhã de levezas.

Não preciso olhar a tragédia que sinto a cada metro avançado. Contudo a tragédia se impõe. Mulheres choram. Uma é delgada, chora amparada por outra que é obesa e mais baixa. Ambas não são brancas. Ambas não são amarelas nem pardas. Ambas não são negras. São pessoas pretas. Sobre elas paira uma sombra preta fosca que lhes tragara toda e qualquer luz que pudessem refletir na manhã resplandecente. A sombra lhes apagou as feições, lhes roubou a nitidez dos traços. Para elas não há sol, pois é dia de tragédia.

E o que você tem a ver com isso? Com isso tudo? Com essa tragédia anunciada aos verbetes, aos goles, de pouco em pouco? Você nem mesmo comprou os bombons que eu comprei para dar de presente. Você não comeu o churro que eu comi, e nem tomou o sorvete misto com forte sabor de leite que eu tomei. Isso não é justo. Compartilho a amargura, a desgraça alheia, mas não lhe ofereço das doçuras. Pare de ler essa coisa agora. Vá se divertir. Aqui tudo só vai piorando enquanto o meu carro progride e para, progride e para.

A comunidade [e comunidade é coisa de periferia, não se chama comunidade o povo que se agrega no bairro de classe média] se aglomera para ver o cenário de choro marginal à pista. As mulheres pretas choram pelo homem que vem deitado dentro de uma caixa plástica cor de laranja transportada por dois sujeitos do resgate e dois prováveis voluntários. Ele tem cabelos crespos que pedem por corte. Ele tem barba cheia e é magro. Não é branco e nem negro. Não é amarelo e nem pardo. Ele é preto fosco como a noite sem estrelas, como as mulheres que lhe choram a desventura daquela manhã ensolarada. Nele incide a sombra que bloqueia o brilho do dia. E é estranha aquela cor de noite sem estrelas. Aquela cor sem cor e sem alegria. Seus pés estão descalços. E as solas de seus pés são brancas como velas. Ele não tem sandálias. Não tem sandálias e parece nem ter vida. Chico Buarque diria que ele morreu na contra mão atrapalhando o trânsito? Talvez. Mas seria precipitação juvenil. Chico, ao dizer isso, não atinou que quem morre na contra mão também morre na mão. Tudo é uma questão de deslocamento, de trânsito. Mas aquele homem pode ter morrido de tiro. Eu não vi sangue, mas àquela distância, aquela falta de cores, aquela sombra. Nada favorecia a observação de detalhes confiáveis. Pode ser que estivesse envolvido com narcotraficantes e, mesmo sem perceber, tenha pisado na bola de modo injustificável e irreversível. Essa gente do tráfico é muito rigorosa. Pisada na bola é fato, resolvem no tiro. Tiram a vida do malandro e fim. Mas quem é que sabe se o sujeito era malandro de fato? Vai que fosse um pai de família em final de expediente de sábado. Sábado o trampo termina próximo à hora do almoço e o sujeito vai tomar umas geladas para refrescar as idéias pagãs. Vai imaginar mulheres ensaboadas brincando em uma banheira em algum lugar do mundo. Vai falar que seu time, aquele time que mais dissimula do que joga, aquele time que é na verdade uma grande jogada de marketing, vai ser o campeão da galáxia. E vai que o sujeito nem tá morto de fato. Vai que as mulheres pretas choram e não se aproximam por puro terror da comunidade que lhes olha e devora a cena com os olhos. Vai que não se aproximam por estarem inibidas pela passagem lenta e curiosa de tantos carros. Um sujeito de bermuda e camiseta tira fotos. E o que aquele cara pretende fazer com as fotos do homem preto e aparentemente inerte na caixa laranja plástica? Será um jornalista que ia passando, ou seria um facebookeiro preparando material para compartilhar com seus amigos de rede? Enquanto isso a fila anda, o carro segue. Transferem o homem para uma maca. Talvez ainda tenha vida. Porém ninguém lhe acode. Parece uma causa perdida. Não são feitas manobras que o reanimem. Não lhe é oferecida nenhuma máscara de oxigênio em cilindro. Os homens do resgate não aparentam pressa. Executam suas tarefas. Apenas isso. O trânsito aos poucos vai desafogando. É melhor desligar o pisca alerta. Ainda tenho alguns quilômetros de pista para chegar em casa. O sol continua quente. Sigo viagem. As mulheres pretas ficam para trás. Elas derramam lágrimas no asfalto. O homem preto, inerte, fica para trás. Toda a aglomeração vai diminuindo no retrovisor até desaparecer por completo numa alteração geográfica. A comunidade começa a dispersar. Cada um tem uma história para contar. Todos tentam tecer histórias de valentia e conformidade diante dos fatos da vida. Todos estão prontos para ir almoçar e compartilhar os fatos. Eu preciso chegar em casa e tomar um banho frio. Minha família me abraçará. Serei festejado. Hoje é dia de alegria. Eu trago presentes.









Comentários

  1. OLÁ JEFH
    É... QDO 'DENTRO' É DOCE E COR-DE-ROSA, PRECISAMOS DE ABRAÇOS,BEIJOS E BANHOS FRIOS PRA 'APAGAR' OS PRETOS SOMBRIOS E FÚNEBRES LÁ DE FORA.
    GOSTEI DO 'QUADRO'...;-))

    BEIJÃO
    JAN

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  2. Boa noite Jefh...nossa estou quase sem ar... Realmente dessa "visão" realidade não temos como fugir... Mas como sempre repitimos, sem sermos alienados, "já optamos pela felicidade...caminhemos" apesar de tudo... Que tenhas muitos abraços e que o "rosa" do presente que você leva deixe assim os dias vindouros! Coloridos, felizes e serenos! Grande abraço aos viajantes...(Deixe a "cena" triste e dolorida na página que já virou...fácil não é...mas possível sim...)

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    1. Nyce, não há postagem minha completa antes do comentário de pessoas como você; esse blog possui vários pilares de sustentação. Dois a saber: Nyce e JAN. Obrigado, doce amiga!

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  3. Gostei da linguagem do texto, parabéns... feliz por seguir seu blog! =)

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    1. Que bom que gostou. É uma honra e um grande prazer lhe ter aqui. Beijo e obrigado!

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  4. Bem poético... maneira bem diferente de relatar uma cena...
    Adorei o facebookeiro! rsrs

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  5. olá, vc foi o primeiro a postar um comentário no meu blog! agradeço muito, li esse artigo e vou ler os próximos,
    abraços
    Leila

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    1. Leila, espero lhe dar sorte. Beijo! Obrigado por sua atenção!

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  6. Santo Deus, que intenso isso, meu querido. Acho que estou sensível demais pois me senti até sufocada rs.
    Grande beijo, lindo.

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    1. Jana, sua atenção e generosidade alimentam este blog. Você é também um dos pilares desta edificação. Beijo, querida amiga!

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  7. Muito interessante... a seuqencia e os detalhes dos fatos no prende ao texto. Cada trecho se torna em clímax(não há apenas um, mas vários!) Um suspense maravilhoso! Gostei muito! Parabéns!

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    1. Uau! Que comentário maravilhoso. Sinto-me em um clímax constante agora [sorrio] Beijo, Paula!

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    2. Exato! Vive-se em um clímax constante! raro isso!!! Parabéns!

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  8. Olá, Jeferson! Obrigada pela visita ao meu espaço blog! Lendo e saboreando chocolates fiz sua viagem pela rodovia Cândido Portinari... uma narrativa perfeita de cores, sons e sabores... cantarolei Chico... lembrei-me das "mulheres de Atenas"... Da realidade ao romantismo você fez colocações da vida em tons pastéis! Parabéns! Abraço da Célia.

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    1. Poxa vida! Seu comentário me emociona. Intensifica cada momento que tive de reflexão na construção do texto. Muito obrigado, linda!

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  9. Oi Jef, foi um prazer enorme receber sua visita em minha página http://www.espiritodeescritora.blog.com
    Também adorei seu Blog e sua forma de escrever.
    Quanto ao texto achei muito interessante a sua forma de suavisar um momento trágico e cada vez mais comum nos dias de hoeje. E o pior é que cada vez menos nos envolvemos, a não ser quando passa muito "perto " de nós. Abraços meu novo amigo virtual. Vou segui-lo.♣

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    1. Obrigado pelo carinho da atenção! Espero que goste da casa. Beijo, nova amiga!

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  10. Caro Jeferson: Parabéns: Sua escrita tem estilo e coração. Continue compartilhando. Os brasileiros precisam contar suas histórias do dia-a-dia, suas reflexões e angústias. A vida é um romance escrito em cada passo.

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    1. Obrigado pela força! É um prazer lhe receber aqui. Espero que venha mais vezes, Sueli. Um grande abraço!

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  11. Caro Jeff, sua vocação é para a narrativa, mas não se sai mal na crônica. Continue batalhando, que você leva muito jeito.
    abraços do Menalton

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    1. Talvez eu não consiga me fazer entender, estou emocionado, mas receber um comentário generoso como este que aqui o senhor fez, é como um prêmio para alguém que não consegue parar de escrever desde o dia em que começou. Admiro muito o senhor, que é mestre de tantos e é também meu mestre. Continuarei batalhando sim. Cada vez com mais afinco. Um forte abraço, escritor Menalton! Muito obrigado!

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  12. Oi, aceitei seu convite e vim te visitar.
    Voltarei mais demoradamente...Tenho muito o que ver/ler...
    Bem bacana!
    vejo que vc tem tempo, não só para escrever, como para responder os comentários!!!!
    O meu é apenas onde guardo o que vejo,leio ou lembro...
    abrs

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    1. Zelinha, procuro administrar bem o meu tempo, mas o da escrita é sagrado. Escrevo todos os dias. E adoro conversar com quem comenta meus textos. Obrigado pelo carinho da atenção! Ficarei lhe esperando para uma visita mais demorada. Um grande abraço!

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  13. Muito bom!!!
    Melhora a qualidade do que se publica neste espaço virtual.

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  14. ... olá!
    Ontem postei no perfil do meu facebook uma imagem a qual me referi "muito mais que uma fotografia, UM OLHAR!"
    Hoje qualquer pessoa tem acesso a esse tipo de 'dispositivo' e muito fácil...; encontro com amigos na mesa do bar, um dia em aula, o rostinho do nenê, a companhia do amigo ou da amiga e assim diante... infinitas imagens, infinitas fotografias com registros banalizados, dão sentido a um número de pessoas muito reduzido. E aquela imagem postada no facebook tinha o OLHAR, o sentimento, a sensibilidade em registrar algo que comove 'inúmeras' pessoas!
    As suas palavras nesta mensagem tem algo assim; a sensibilidade em traduzir, não com uma imagem, mas com palavras um acontecimento ou a idealização de um porquê!
    Vive-se muito sem SENTIDO, e a busca dele, e o mostrar este SENTIDO de vida com modos como esta sua mensagem sempre serão bem vindos!
    Meus cumprimentos!

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  15. Olá, obrigada pela visita e parabéns pelo blog,voltarei para ler mais,muita coisa pra ver...bem legal mesmo...até mais.
    http://artesanatosentrelinhas.blogspot.com/

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  16. Olá Jeferson, gostei muito do li, refleti e pensei: A vida é mesmo uma peça que não admite ensaios. Vc contou um fato rotineiro e podemos observar que mesmo sabendo sermos únicos para Deus, para o nosso próximo desconhecido somos apenas mais um na multidão...
    Obrigada pelo comentário no meu novo blog que nem aprendi a administrar direito ainda...kkk. Bjs

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  17. Jeferson...Gostei de ler um pouquinho de vc e com certeza farei mais visitas.Quanto a mim sou uma iniciante, que escreve com a alma. Grande abraço

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  18. Muito interessante, a realidade da vida...Adorei seu blog...Tô seguindo...rsrsrrs...quero ver mais coisas boas que aliás, por aqui tem muitas....Beijos...Sue...

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  19. Adorei o texto Jeferson,realmente muito bom.
    Agradeço o comentário em meu blog,e com certeza serei uma leitora compulsiva de seus textos.

    Obrigada e abraços.

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  20. Olá Jefh, obrigada por visitar meu humilde blog, gostei muito do seu artigo, bem elaborado, gosto do seu estilo. Um abraço, fica na paz...

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  21. muito iterressante, nos faz parar e pensar nas tragédias na estrada, nas familias menos favorecidas e em tantos outros casos desse nosso país.

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  22. Muito interessante a linguagem do seu texto. Parabéns pelo blog!

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  23. OLÁ
    PASSANDO PARA TE FAZE UMA VISITA. GOSTEI DO QUE VC ESCREVE PARABÉNS VC VAI LONGE AMIGO. CONTINUE ASSIM. QDO VC PUDER ME FAÇA UMA VISITA. UM ABRAÇO
    BRISA

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  24. Olá Jeferson, muito bom mesmo! Parabéns. Achei intenso...
    Obrigada pela visita, tá? beijos

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  25. Oi, Jefh! Mais uma vez arrasou no texto. rs Muito bom!
    Um abraço

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  26. muito bom! passando por aqui, ler as novidades ;)

    beijo

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  27. Adorei!Como sempre vc nos coloca dentro da realidade da vida.Seja numa narrativa ou crônica sempre se sai muito bem!Continue nos dando esse presente,escrevendo fatos reais.Se pudesse leria um texto seu todo dia.Parabéns! Que Jesus te abençoe! Já estava com saudades de vc. Vi o seu recado no meu humilde blog.Um abração! O primeiro do ano Novo!

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  28. Oi Jeferson,que bom que gostastes do meu post ...continues me visitando -http://www.aromasearte.blogspot.com
    Como se diz aqui no sul: pôxa tchê ! escreves muito e muito bemmm...
    coloquei no meus favoritos.

    Abraços,Lúcia

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  29. tirei um tempinho para ler e fiquei muito satisfeita em ver a realidade descritas em palavras!tão perfeitamente!Parabens!

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