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Mostrando postagens de maio, 2009

Cartas a Tás (5 de 60)

Ituverava, 30 de Maio de 2009. Que Japão que nada; pensava esta manhã. Deveria haver alguma razão de força maior para Tás não visitar meu blog. Em minha mente justificava-o por não ter vindo comentar minhas cartas. Foi então que me deparei com sua figura saindo da casa de Tia Neguinha, parecia mesmo ele. Montava em seu belo jeep prata, e quando me viu passar ao lado, carregando meus humildes pães, não fez mais que um aceno de cabeça; e até isso parecia lhe custar muito. Hoje me sinto humilhado por alguém que fora mais que um irmão para mim nos campos, praças e escolas dessa Ituverava do passado. Outrora foste mais humilde amigo! O que houve? Porventura enriqueceste a tal ponto de esquecer quem lhe salvou de uma tunda, quando roubou as pêras da Chácara Cartago? Eu lhe ajudei, com muito esforço, a consumir com todo fruto do furto, de modo que só não foste pego por seu pai, que teria certamente lhe arrancado o couro inteiro do lombo, por termos devorado muito contragosto uma a uma daquela

CARTAS A TAS (WELCOME TO THE JUNGLE - GUNS AND ROSES)

Ituverava, 26 de Maio de 2009 Caro irmão, ainda no dia de hoje, pela manhã, voltei a refletir sobre o teor daquela nossa última conversa, a ocorrida via internet. E meditei em suas palavras por um bom quarto de hora. Quando disse em resposta à carta anterior: “Aquele surf de rio era bão demais da conta!”, por ventura, tal frase não seria o mesmo que dizer: “Somos hoje o que éramos ontem”? Medite um pouco comigo, irmão, não há nada de original em sua exclamação? Não seria talvez a manifestação de você e sua alma interiorana travando um conflito à procura de seu verdadeiro cerne primitivo? Se me permite, em minha módica opinião, aquilo nada mais foi que sua alma pedindo voz. Suas entranhas exalam poeira vermelha, meu irmão. Parasitas de nossas águas ainda moram em seus intestinos agora viajados. Contudo, é preciso admitir que muito cedo Ituverava tornou-se pequena demais para conter seu espírito indomável e sua fome de mundos distantes. Em toda parte por onde meteu sua car

CARTAS A TAS (PEOPLE ARE STRANGE)

Ituverava, 25 de Maio de 2009 Caro Tas, preciso desabafar. Valho-me para tanto de sua atenção sempre pronta a socorrer-me. Aconteceu de hoje eu receber a triste notícia de minha derrota em meu primeiro concurso literário. Não obstante, já havia sido aconselhado por pessoa sensata a não participar da disputa, ao menos por agora. Com palavras delicadas e sensatas, a nossa querida professora Liéte, lembra-se dela, dos cascudos que ela desferia contra sua cabeçorra por conta de suas incoerências gramaticais? Pois bem, ela vive e goza razoável saúde física e plenas faculdades mentais. Eu a procurei a cerca de minha participação no concurso e ela disse que ainda seria cedo para tal empresa, e que eu deveria ler e observar mais autores antes de arremessar-me de tais alturas. Mas sabe como sou. Aconselhar-me é perder tempo. Melhor não gastar verbo em tal intento. Sou um tanto quanto avesso aos conselheiros humanos. Prefiro ouvir o inaudível, o invisível, a intuição, o Divino. Fo

CARTAS A TAS (SMELLS LIKE TEEN SPIRIT)

Ituverava, 24 de Maio de 2009 Tas, dirá que sou o maior dos saudosistas. Mas o que posso fazer se sempre tenho saudades daqueles tempos mágicos e extraordinários? E rememorando, que saudade me assalta agora dos tempos em que, quando garotos, descíamos a correnteza do Rio do Carmo e saltávamos sobre a Cachoeira Salto Belo em bóias de pneu de trator. Lembra-se, amigo? Você era o mais intrépido. Parecia fazer troça da própria morte. Todos gritavam a uma só voz: “Vais morrer Cocão!!!” E você, feito um demônio, um louco, um herói como os que jamais sentem medo algum diante do perigo iminente, descia a cachoeira como se o risco de morte fosse uma grande piada. Bons tempos aqueles! Mas tratando agora do presente, por acaso, li o que disse sobre o já saudoso Zé Rodrix. Senti nas suas palavras a legítima comoção que lhe envolveu. Comoveu-me. Sabe que nós, que pouco passamos dos 30, e ainda somos verdadeiras crianças, sabemos o quanto é precoce partir aos 61. Seremos ainda garotos aos 61

CARTAS A TAS (THE UNFORGIVEN)

Ituverava, 20 de Maio de 2009. Caro Tas, és para mim o irmão que jamais tive nesta nossa terra de belezas únicas, inigualáveis: rubras, ocres e de tantas outras cores. Assim como eu, bebera das águas vermelhas e barrentas do nosso Rio do Carmo. Quando inocente e imberbe, fora batizado naquela manhã de sexta feira 13 nas mesmas águas em que tantas vezes se aventuraria em sua mocidade. Feioso e cabeçudo como poucos, fora a criança mais indômita a pisar por estas plagas. Feito um selvagem nativo, correste misturado com os lobos e cães do mato pelos matagais e florestas. Tas, quantas vezes sangrou e urrou açoitado por timbetes na face vadia durante as corridas em fuga? E eu contigo, lembra? Quantas vezes, amigo? Assim como eu, você soube como poucos as aventuras e desventuras de ser um moleque encardido de pés descalços a queimar a sola no solo incandescente de nossas ruas de asfalto e paralelepípedos. Sendo assim, e por muitas outras circunstâncias, vejo em você bem mai

Dona Centenária

Dona Centenária Era uma bela manhã daquele outono. O sol brilhava intensamente com seus raios incidindo sobre a massa de ar fresco, ainda razoavelmente úmido pelo termino recente do verão. Em casa de Dona Centenária, iniciavam as movimentações do dia. Vovó Centenária, como todos a chamavam, levantou-se junto com os trabalhadores da casa, naquela manhã contava a neta com carinho e muito bom humor. Ela disse que lhe causou certa estranheza dar com sua avó já de pé no corredor tão cedo. Sorrindo então, descontraída, indagou sobre o motivo de a avó ter-se levantado bem mais cedo que de costume: _Vovó, o que faz tão cedo de pé, caiu da cama? A avó, com um ar grave e a mão direita apoiando a frágil coluna, fiel sustentadora de seu tronco, pré-centenário, delicada e frágil como naturalmente se é nesta fase, respondeu: _Qual tombo de cama, minha filha? Por acaso não ouviu meu sofrimento durante esta noite e a madrugada inteirinha? Sofri como jamais havia sofrido! Foi este o parto mais difícil